Recife, PE – As festas juninas, com suas cores vibrantes e estampas quadriculadas, representam muito mais do que uma celebração sazonal. A estética das vestimentas típicas carrega uma profunda bagagem histórica e cultural, que mescla influências europeias, religiosas e a rica diversidade regional brasileira. Mais do que uma simples fantasia, a roupa junina é um convite à criatividade e à expressão individual, conforme destacam especialistas em moda.
Originalmente ligadas às celebrações de santos populares como São João e Santo Antônio, as festas juninas no Brasil Colônia foram incorporadas às aldeias indígenas como uma estratégia de catequização, segundo relatos do jesuíta Fernão Cardim, do século XVI. Nesse cenário de fé e cultura, surgem os trajes que conhecemos hoje.
"A tradição das vestimentas de São João, na verdade, vem de uma mistura de influências", explica Paulo Medeiros, coordenador de Moda do centro universitário UniFBV Wyden. Ele detalha que o figurino masculino — calça, camisa quadriculada, colete e chapéu de palha — remete ao trabalhador rural europeu, adaptado posteriormente ao sertanejo brasileiro. Já as mulheres vestem saias rodadas, vestidos estampados, laços, rendas e babados. "Originalmente, ela está ligada ao contexto rural. Por isso essa estética caipira, com o uso do xadrez, do jeans, do chapéu de palha e dos vestidos mais rodados. É uma representação — ainda que romantizada — da vida no campo", afirma Medeiros.
Reinvenção com Identidade e Sustentabilidade
Com o passar do tempo, essas peças se consolidaram como símbolos da cultura popular, mas também abriram espaço para releituras contemporâneas. "Elas ganharam força como 'fantasias juninas', mas também abriram espaço para releituras mais contemporâneas", comenta Medeiros. Ele ressalta que, atualmente, a moda junina acompanha tendências amplas como a sustentabilidade, o reaproveitamento de tecidos e uma forte valorização da identidade regional.
Elementos como renda, crochê, chita, bordados e aplicações manuais continuam presentes, porém, agora se misturam a propostas mais urbanas e criativas.
Camisas jeans combinadas com saias estampadas, acessórios como chapéus, lenços, flores e brincos ganham protagonismo, e as sobreposições se tornaram uma tendência. "É possível montar um look com o que já se tem em casa, repensando o uso das peças, customizando com retalhos, e compondo produções que dialogam com o espírito junino sem a necessidade de comprar algo novo", exemplifica o coordenador.
Para Medeiros, o São João se tornou uma oportunidade de expressão pessoal. "A gente não precisa se prender ao ‘fantasiado’. O importante é montar um look que respeite a simbologia da festa, claro, mas que também traga a identidade da pessoa. São João é celebração, é cultura, mas também é um convite à criatividade e ao afeto no ato de vestir", conclui.
Equilíbrio entre Tradição e Modernidade
A professora do curso de Moda da Wyden, Sabrina Nascimento, concorda que houve uma modernização natural nos estilos das roupas juninas. No entanto, ela enfatiza a importância de não deixar que essas transformações acabem com a essência das tradições.
"As festividades e roupas juninas mexem com a memória afetiva e de pertencimento cultural dos nordestinos.
Como a moda acompanha a sociedade e suas transformações, hoje é possível observar mudanças significativas nas roupas tradicionais. Atualmente, temos looks que se adequam à personalidade de cada pessoa, mantendo elementos simbólicos da tradição, mas incorporando tendências contemporâneas, novas modelagens, materiais e interpretações estilísticas", analisa Sabrina.
Ela complementa que essas releituras refletem a criatividade dos criadores locais e uma crescente demanda por individualização e representatividade nas peças, mesmo em um contexto coletivo como o São João. "Assim, o vestuário junino deixa de ser apenas uma reprodução de trajes típicos e passa a ser também um meio de expressão pessoal, refletindo a diversidade de corpos, estilos e identidades presentes na sociedade atual. Contudo, é importante que, mesmo com essas transformações, a essência da tradição não se perca”, finaliza Sabrina.