Para além do metanol: a crise da ética e da segurança alimentar
Por Mariângela Borba*
Olá você, leitor do #SendoProsperidade, tudo bem? Diante da crise gerada pelos casos de intoxicação por metanol nesta última semana, estranho seria não abordar este tema aterrorizante na coluna de hoje. A recente onda de intoxicação por metanol, inclusive aqui, em Pernambuco, que resultou em mortes e em danos neurológicos, faz com que o tema deva ser amplamente abordado. E que sigamos acompanhando a crise, que ainda está numa etapa de subida. Mas por quê, você diz isso, Mariângela? Ora, nós que trabalhamos com comunicação e, principalmente, com gerenciamento de crises, sabemos que, naturalmente, uma crise puxa a outra, ou seja, não é questão de teorias de conspiração ou olhar, apenas, para o whisky, ou para a vodca, ou para a cerveja – é menos provável, por ser fermentada, mas também está sendo atingida -, a adulteração também já está chegando ao leite – e, por sinal, já havia denúncias. É toda uma indústria que está sendo colocada em cheque. E o segredo disso, além de fazer a coisa certa, claro, é se prevenir.
Um outro fator que vem chamando a atenção agora, é que as ostras vendidas no Brasil já estão contaminadas por arsênio e apresentam resistência a antibióticos, segundo um estudo liderado por pesquisadores da USP (https://noticias.ufsc.br/2025/07/ostras-ajudam-a-identificar-metais-e-bacterias-resistentes-no-mar-em-estudo-com-participacao-da-ufsc/:). A pesquisa foi feita em parceria com 9 Instituto de Pesca, a UFCC, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e a PUC do Chile e publicada na revista científica Food Ressearch Internacional. Foram analisadas 108 ostras de duas espécies, vendidas em cinco mercados de São Paulo e Santa Catarina entre Setembro/2022 a Março/2023. Em três destes supermercados o nível de arsênio estava acima do limite permitido pela Anvisa, que é de 1mg/kg. Algumas amostras chegaram a apresentar 1,9 mg/kg de Arsênio. Além disso, foram identificadas presenças de outros metais pesados, como Chumbo, Cromo e Prata, o que levanta preocupações sobre a segurança do consumos destes alimentos. O gelo comercializado em bares, restaurantes e praias também é alvo de casos de intoxicação, por ser comercializado, muitas vezes, sem a fiscalização adequada (https://microambiental.com.br/analises-de-agua/analise-de-gelo-para-consumo-por-que-ela-e-fundamental-para-a-saude-e-a-higiene/). Estudos da Anvisa e de universidades, já apontaram que parte do gelo comercializado no Brasil não atende aos padrões de portabilidade exigidos para a água. Assim, como no caso das bebidas adulteradas, a negligência com o gelo revela uma cadeia de riscos à saúde pública ligada ao consumo de álcool e lazer no Brasil, onde a falta de controle sanitário expõe consumidores a perigos invisíveis.
A notícia vem tornando o mundo. A imprensa internacional já aniquilou a caipirinha com a repercussão dos casos de bebidas adulteradas (https://ndmais.com.br/saude/imprensa-internacional-intoxicacoes-por-metanol/). Entre os meios de comunicação que noticiaram a situação no país estão France 24, ABC News, Associated Press e The Independent.
A verdade é que essas tragédias, incluindo a do metanol, nunca foram acidente. Sempre foi lucro acima da vida e isso revela que o sistema não escolhe cor ou classes sociais. Ele escolhe, apenas, o que estiver vulnerável no momento. E quando a lógica é o lucro, todo corpo é moeda de troca. A normalização do risco termina já fazendo parte do nosso cotidiano: aceitamos comida vencida, remédios falsificados, transportes inseguros e, agora, até o copo do whisky escocês dito legítimo e Premium, pode carregar veneno. O mito da segurança acabou. Sempre disseram: “quem paga, está protegido”. Mas o metanol chegou provando o contrário: não existe redoma o que há é descaso, isso sim.
Essa onda não é tragédia isolada. É sintoma de uma sociedade atual vida é descartável, onde a fiscalização falha e o crime se camufladas - independentemente do local ser mais caro ou mais barato. A realidade é que não existe segurança. É o colapso moral de pessoas que, ao menos teoricamente, aceitam a morte como efeito colateral do consumo, pois o corpo humano passou a ser número numa planilha. Agora, a pergunta é: até quando vamos fingir que não vemos? Ora, eu não estou aqui para colocar panos mornos. A verdade é que o veneno que um dia matava apenas nas periferias, agora mostra que ninguém é intocável. Se ninguém acordar para essa realidade, será triturado. É triste? É, mas o que não dá é para viver numa ilusão de que todos estamos seguros e de que a nossa vida vale mais do que a estatística. A recomendação é não consumir álcool, de preferência os destilados, neste período. Mas será que só isso basta entrar é o suficiente? As mortes por etanol abrem uma nova crise na questão, também, da segurança pública. Antes da crise do metanol vir à tona, dados da Associação Brasileira de Combate à Falsificação mostravam que a quantidade de fábricas clandestinas no país saltaram de 12 para 80, entre 2020 e 2024. O faturamento dos grupos de criminosos é estimado em 62 bilhões de reais anuais.
E você pode estar se perguntando:
- Como esse veneno passou a ter livre acesso e circular facilmente?
O caso do metanol não é acidente, é consequência, fruto de políticas que colocaram a vida abaixo da lógica do lucro, que destruíram o poder da fiscalização e terminaram entregando o controle da produção e da distribuição de insumos estratégicos ao mercado e, consequentemente, ao crime. Nada vem do acaso e é chocante como a segurança alimentar se tornou uma ilusão, afetando a todos, independentemente de classe social.
*Mariângela Borba é comunicadora multifacetada, jornalista diplomada, revisora credenciada e uma social media expert. Produtora Cultural com presença nos Conselhos municipais e nacionais de cultura, além de expertise em Cultura Pernambucana. Teve passagem pela secretaria Executiva do MinC, Regional Nordeste, e também Secretaria de Imprensa de Paulista (PE), além de ter circulação pelas conceituadas editorias de jornais e rádios de Pernambuco. Premiada e com produção bibliográfica na área de cultura. Membro da AIP, com um com um bisavô fundador que também era jornalista.