domingo, 10 de julho de 2011

Sargaço - Capítulo 04 - Herói, Anjo ou Louco?

Alguns meses se passaram e Toni estava trabalhando no hospital quando uma jovem em cadeira de rodas o parou:

- Moço! Não sei nem como lhe agradecer. Gente, vem aqui! – a jovem chamou a atenção de todos que estavam ali – Se não fosse esse cara, eu não teria perdido só minhas pernas não. Teria perdido a minha vida.

- Oxe, moça, fui eu não...

- Claro que foi o senhor. Eu me lembro bem. Só tinha um canivete na mão. Mas cortava o ferro tão bem, pensei que o senhor era do Corpo de Bombeiros...

- A senhora tá me confundindo...

- De jeito nenhum, eu seria capaz de reconhecer o homem que salvou minha vida

De boca em boca a notícia correu a cidade e no hospital todos sabiam que ele realmente salvara a moça. Toni não agüentou e gritou:

- Ora merda! Vocês todos aqui são profissionais de saúde, não salvariam ninguém não??? Isso é obrigação nossa!!! Agora vamos falar do que presta? Obrigado!

Quando Toni voltou à praia, foi na barraca do Seu Antonio:

- Seu Antonio, me dá um coco aí, que eu tô estressado!

- Calma, filho, todo mundo já tá sabendo da moça...

- O senhor também, Seu Antonio?

- Deu no rádio, todo mundo ouviu.

- Maravilha, mas de repente esse povo descobriu que não tem nada pra fazer... Ainda bem que amanhã eu to de folga, vou ver se esse povo me esquece.

Ao olhar de lado, não acreditou! Stella estava sentada, tomando água de coco e vendo o mar. Ele chegou junto:

- Você ficou linda!

- Quem é você?

- Eu dancei contigo na festa de debutante...

- Como é que é???

- Claro... Você não tem como me reconhecer...

- Com essa tatoo enorme nas costas e esse cabelinho de sargaço não iria conhecer nunca.

- Mas você não mudou praticamente nada... Continua linda.

Quem estava perto do casal riu muito com o “cabelinho de sargaço”. O apelido iria pegar. Imaginem: Sargaço salva moça de acidente de carro. Quantas vezes ele teria que gritar pra pararem com isso? O apelido era até admissível, mas a história da moça? Ele via aquilo tudo como uma obrigação...

Mal ele chegou em casa, a chuva caiu forte na cidade, mas cansado, foi dormir. No outro dia, ligou o rádio e as notícias eram sobre as conseqüências das chuvas do dia anterior:

- Boletim de notícias da Rádio NA: Desabamentos no Morro das Velas soterra casas, mata duas pessoas e desabriga mais de 20 mil. A Defesa Civil e a Corporação já estão no local e quem fala ao vivo é a repórter Maricielo May:

- Bom dia, Rádio Patrese, aqui no Morro das Velas a situação está ainda mais complicada. Duas crianças estão desaparecidas e os pais estão desesperados. O temor é que elas estejam soterradas...

Sargaço não pensou duas vezes, mesmo debaixo de chuva, foi para o Morro das Velas, que não era longe dali. 10 minutos de ônibus e lá estava ele, que de primeira, procurou a repórter. Mari e Seu Antônio ficaram admirados. Ela se lembrou de imediato da situação:

- Agora me lembro de você, lá no Morro das Velas, acompanhei tudo, narrei tudo para o rádio... Me emocionei demais, acredita?

- Você se lembra como foi a narração?

- Ah, lembro sim.

- Então narra, afinal de contas, essa parte da história quem conta é você.

- Por isso que você me propôs virar a noite...

- Mas é lógico. E eu passei a acompanhar tudo que saía sobre mim e pelo menos das suas matérias eu sempre gostei.

Assim que terminou de falar com Sargaço, a repórter liga novamente para a emissora e conta:

- Um rapaz jovem, que disse ser enfermeiro, driblou a segurança e foi para o entulho de lama tentar resgatar os filhos de seu Adailton e dona Edilene, que estão abraçados, e cansados de tanto chorar. Detalhe: ele não usa qualquer equipamento de segurança enquanto cava a terra com as próprias mãos. Ele levanta os braços e chama alguém. Um integrante da Corporação vai até ele... Meu Deus! Ele caiu na lama! Muita calma agora, como é isso? Ele está ressurgindo da lama com as duas crianças nos braços. Uma delas ainda está desacordada, mas parece que estão vivas... Graças a Deus o herói anônimo conseguiu resgatar duas crianças em poucos minutos... Vamos tentar falar com ele: por favor, como o senhor conseguiu resgatar as crianças?

- Moça, deixa eu resgatar os meninos, falo já com a senhora...

- Nesse momento, ele está prestando os primeiros socorros, fazendo respiração boca-a-boca na criança desmaiada... Realmente, amigos, trata-se de um profissional de saúde que driblou o medo e a segurança para salvarem vidas. Anjo, louco ou herói?

Assim começaria a maior lenda urbana da cidade.

Sargaço - Capítulo 03 - Injustiçado

Os dias se passaram e os quatro jovens estavam apaixonados. Mas não havia tempo para conversas ou telefonemas. O colégio e a academia tomavam-lhes o tempo. As meninas estudavam como nunca, estavam no Ensino Médio e o vestibular estava chegando e os rapazes faziam exercícios cada vez mais difíceis. Duna e Toni eram os melhores alunos da turma, todos comentavam que eles teriam uma bela carreira na Corporação. E por isso, eles passaram a ter mais acesso aos setores administrativos.

O Subcomandante Lúcio, responsável pela seleção dos jovens e pela contabilidade, era um homem de confiança do Comandante Oliveira. Toni fora indicado para ser assistente do subcomandante em assuntos contábeis e aos poucos, foi descobrindo uma irregularidade administrativa cometida por Lúcio. Resolveu investigar mais a fundo e quando tinha as provas, levou para o Comandante, sem que o Subcomandante soubesse.

Na semana seguinte, os cadetes iriam se formar e esperavam ansiosos pela lista de quem iria ficar na corporação. Todos diziam que Duna e Toni seriam os primeiros da turma, e laureados. A lista saiu, provocando alvoroço entre os jovens.

Dunarte Filho estava na lista. Mas Antônio Carlos não estava.

- Toni, deve haver algum engano. Você era mais o mais empenhado, o mais aguerrido... Vamos lá, falar com o Subcomandante Lúcio, ele confia tanto em você, rapaz!

- Eu estou aqui, Cadetes. – Disse o Subcomandante com um ar de riso.

- Subcomandante... – Duna tentou falar.

- Cadetes, agora que vocês estão formados, aprendam uma coisa: quem mexe com os grandes, sempre se dará mal... Não é, Antônio Carlos?

Toni entendeu o recado, baixou os olhos e foi embora.

Duna e os demais colegas resolveram falar com o comandante, que lhes deu uma mensagem ainda mais clara:

- Antônio Carlos, o melhor aluno da turma, o mais guerreiro e valoroso entre vocês, cometeu um erro. Muito grave.

- Que erro foi esse, senhor, tão grave a ponto da corporação cortar o nome dele da lista?

- Tentou interferir onde não devia.

- Como assim?

- Andou bisbilhotando coisas que não são da alçada dele. E ainda tentou afrontar o Subcomandante Lúcio. E a decisão de cortá-lo não foi dele, mas minha.

Duna ainda pensou em desistir, mas o próprio Toni o impediu:

- Já não basta um que foi cortado da lista? Nosso pai, onde quer que esteja, quer te ver salvando vidas. Mais mesmo do que a mim, que só trouxe decepção.

- Toni, você descobriu os podres do Subcomandante e o Comandante abafou a história... Nosso pai ficaria orgulhoso de você também. Ele sempre dizia que o Subcomandante Lúcio não prestava.

- Mas e agora, Duna? O que será de mim?

- Irmão, eu fico muito triste por você...

- Irmão, por que as coisas devem ser assim?

Duna e Toni choraram abraçados.

Os dois anos seguintes foram marcados pela depressão e isolamento. A única pessoa com quem Toni falava era Duna. Um dia, resolveu ir à praia e não avisou a ninguém. Passou dois dias desaparecido. A família já imaginava o pior, que ele havia se matado.

Mas o que ocorreu com Toni foi uma transformação radical. Ele mergulhou nas águas profundas da vida, mas ressurgiu. Tatuou um dragão enorme nas costas, se formou em Enfermagem especializando-se em Primeiros Socorros e dividia seu tempo entre palestras nas escolas, noites em plantões de hospital e dias de praia e sol. Mas tava faltando alguma coisa. Por melhor que fizesse, não se realizava. Aprendeu a amar a profissão de enfermeiro, mas seu coração clamava por algo mais urgente.

Um dia, ao voltar de uma palestra no Centro Educacional da Criança, testemunhou quando dois carros colidiram frontalmente. Em um dos carros, o motorista estava morto. No outro carro, uma moça estava com as pernas presas nas ferragens. Mas ele não teve dúvida: munido de um pequeno canivete, começou a cortar o metal e viu as pernas esmagadas da jovem. Quando os bombeiros chegaram, a moça já estava resgatada e um taxista havia levado-a a um hospital. Perdera as pernas, mas estava viva.

Estava nascendo o herói.