sexta-feira, 17 de maio de 2024

Crônica: Editora Mayo, as Fake News e o nosso "Mundo Cão"

 

Eu não sou noveleira e se eu não fosse curiosa nem "rata" de Wikipedia ou de You Tube (adoro garimpar músicas beeeem antigas) acho que eu jamais teria ouvido falar da novela Editôra Mayo, bom dia, uma novela das 19h que fez sucesso na TV Record. O argumento original era de Marcos Rey (1925-1999). Ele também escreveu vários livros de sucesso na Coleção Vaga-Lume e foi roteirista do Sítio do Picapau Amarelo, na vestão 1977-1986.

Só que tinha um detalhe nessa história: Rey havia sido demitido da Editora Abril e jogou todo seu ressentimento na novela, chamando a história de "Editora Maio" e criando personagens baseados em familiares do então dono da editora, Victor Civita (1907-1990).

Quando os então executivos da TV Record viram a chamada e previram uma confusão com a turma da Abril, demitiram Rey e acabaram contratando Walther Negrão, que reescreveu a história, mudando até o nome, de Maio para Mayo. Negrão passou 48 horas sem dormir para reescrever os primeiros capítulos, que já tinham sido gravados. Com a confusão contornada, a novela estreou em 12 de abril de 1971 e foi exibida em 102 capítulos, até 7 de agosto do mesmo ano. A trama teve boa audiência e foi elogiada pela crítica.O que seria uma novela de alfinetadas, acabou virando uma comédia. 

Mas o argumento central foi mantido. A Editora Mayo estava em fase de prosperidade, com a engrenagem publicitária que cria e destrói ídolos. A concorrência egoísta por fama envolvia artistas, fotógrafos, repórteres e modelos (se fosse nos dias de hoje, as subcelebridades e os influencers estariam nessa categoria também). 

Desonestidade com a redação da empresa, com os sócios, intrigas, fofocas, chantagens, exploração e utilização de pessoas que querem projetar-se como artistas. O elenco era estelar: Luís Gustavo (1934-2021); Débora Duarte; Nathalia Timberg (foto ao lado), Mauro Mendonça, Rodolfo Mayer (1910-1985), Flora Geny (1929-1991), Sílvio de Abreu (que depois se tornaria um escritor de grande sucesso), Lídia Costa (1925-2004) e Wilma de Aguiar (1930-2021).

E claro que a novela não escapou da censura. O estilista e futuro deputado federal Clodovil Hernandez (1937-2009) participou das gravações da novela interpretando a si mesmo, chegando na redação para tomar satisfação sobre uma nota escrita contra ele. No entanto, o Brasil estava no Regime Militar (1964-1985) e a questão dos costumes também estava em voga.

De acordo com o pesquisador Cláudio Ferreira no livro Beijo Amordaçado – A Censura às Telenovelas Durante a Ditadura Militar: “O censor Dalmo Paixão justificou a supressão de uma cena: ‘O personagem Clodovil faz com uma das mãos gestos irreverentes e obscenos.’ A censora Lenir de Azevedo Souza não foi menos enfática, mas não acertou o nome do estilista e indicou o corte na cena ’em que aparece o costureiro Cordovil (sic) com jeitinho afeminado’.”

Mas o que me chamou a atenção foi a surpreendente atualidade da música Editora Mayo, Bom Dia, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos (1941-2022). A interpretação era da banda O Grupo, que fez um arranjo cheio de balanço, ótima pra dançar. Prestem atenção na letra:

EDITORA MAYO, BOM DIA 
(Roberto Carlos - Erasmo Carlos)

Honestidade, vai embora daqui!
Nós não falamos com você nem a pau!
Criamos fatos da imaginação
Onde a verdade não existe em geral

Mas agora roda que eu quero ver
A manchete da capa vai ser pra valer
Se alguém vai sofrer não queremos saber
O que interessa é a mentira que o povo vai ler

Esse é o nosso mundo cão
Festival de opinião

E a tiragem aumentando...
E a tiragem aumentando...
E a tiragem aumentando...

A vida amansa com problemas totais
E a consequência é a imensa falta do céu
No fim do dia, no balanço geral
Não sobrou nada que não fosse papel

Mas agora roda que eu quero ver
A manchete da capa vai ser pra valer
Se alguém vai sofrer não queremos saber
O que interessa é a mentira que o povo vai ler

Esse é o nosso mundo cão
Festival de opinião

E a tiragem aumentando...
E a tiragem aumentando...


Aí alguém ainda deve me perguntar: mas o que uma novela de 50 anos atrás é tão atual? Fatos "criados na imaginação" que "fazem alguém sofrer" e "o que interessa é a mentira que o povo vai ler", e "a tiragem vai aumentando". Isso lembra algo tão atual quanto perigoso: as terríveis "Fake News"! 

O que nos anos 1970 poderia ser comédia, hoje em dia prejudicam demais as pessoas, seja na tragédia das cheias no Rio Grande do Sul ou na pandemia (2020-2022). O que era produzido nas rotativas, hoje está nas plataformas e redes sociais, que precisam urgente de regulamentação (muito diferente de censura, inclusive)

Esse é o nosso "mundo cão". 

Ouça a música Editora Mayo, Bom Dia