sexta-feira, 29 de março de 2019

#VcNoBlog Ocupem Estelita!


E o querido Professor Angelo Brás Callou segue participando de nosso blog, dessa vez, escrevendo e ilustrando sobre o #OcupeEstelita. Gratidão, Mestre!

Ocupem Estelita!

Abaixei o vidro da janela do carro para observar melhor a movimentação Ocupe Estelita. Guiava lentamente. Era noite do dia 26 de março. Data em que a demolição das edificações públicas do Cais José Estelita, de importância histórica e cultural na cidade do Recife, foi novamente suspensa por decisão liminar. Estelita resiste. Mas ontem a destruição foi retomada pelo conjunto das empresas privadas que formam o Consórcio Novo Recife. A autorização foi do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Ao lado dos antigos armazéns de açúcar, parcialmente derrubados, vi rostos muitos jovens que se misturavam aos escombros históricos da cidade. Havia ali uma espécie de alegria cidadã circulante, facilmente perceptível, que reanimou a minha esperança, enxovalhada desde o golpe jurídico-político-midiático de 2016. Os pedaços que restam, mal me sustentam em pé para que eu possa desenvolver a atividade docente. Pois, sem esperança, a prática pedagógica é impossível.

A primeira vez que ouvi falar no Consórcio Novo Recife foi por meio de uma divulgação paga na TV, faz alguns anos. Quando vi e ouvi o respeitado professor, arquiteto e urbanista, José Luiz Mota Menezes, defender a “requalificação” kitsch (quero ser polido) daquele espaço público, à la Miami Beach, disse pra mim mesmo, como todo bom velhinho: esse mundo está realmente perdido! Afundei na cadeira, de constrangimento.

Aquele apoio competente ao Consórcio Novo Recife era um prédio que ruía. Era o Palácio de Friburgo ao chão e todas as edificações holandesas do Recife, que não existem mais; era a Igreja dos Martírios arrancada violentamente do mapa histórico da cidade, além dos 400 casarões do antigo Bairro de São José dizimados para construir a grotesca Av. Dantas Barreto, com o apoio de muitos arquitetos, claro, ligados ao então prefeito Augusto Lucena; era Francisco Julião ao lado dos usineiros, no fim da vida, coitado; era o casario recifense que desaparece, à conta gotas e à luz do dia, como documenta o jornalista Jota Nogueira no perfil Antes que Suma, no facebook. É Nana Caymmi apoiando o presidente, esculhambando artistas e a Bahia.

Não duvido que a qualquer momento a casa da escritora Clarice Lispector, na Praça Maciel Pinheiro, seja considerada, por algum “discurso competente”, como edificação sem valor arquitetônico que justifique a sua existência. A casa está aos pedaços. O que resta da história arquitetônica do Recife parece sobreviver à base de ruínas e de resistências juvenis.

Levanto o vidro do carro e sigo meu caminho com a sensação de que aqueles jovens, e todos os jovens semelhantes à deputada Tábata Amaral, são as minhas únicas esperanças.

“Que vivan los estudiantes
Jardín de nuestra alegría
Son aves que no se asustan
De animal ni policía.”

Recife, 29 de março de 2019
Angelo Brás Fernandes Callou