sexta-feira, 31 de março de 2017

A história na mão ou 52 anos depois

Há 52 anos aconteceu no Brasil uma série de acontecimentos que foram chamados de "Revolução", "Contrarrevolução" ou "Golpe de Estado". Seja qualquer um desses nomes, o fato é de que esse dia foi o primeiro de um período que só encerraria 21 anos depois, com a Nova República.

Quem presidia o Brasil na época era João Goulart, também conhecido como "Jango". Ele havia sido democraticamente eleito vice-presidente da República (sim, ao contrário do que acontece hoje, os vice-presidentes eram votados nominalmente, assim como os presidentes e você que lê este texto pode argumentar que não se vota em vice-presidentes desde 1960 e Jango foi o último vice eleito). 

Goulart pretendia colocar em vigor as Reformas de Base, entre elas a Reforma Agrária. Em Pernambuco, dois movimentos aglutinavam as massas, As Ligas Camponesas, que tinham à frente o advogado Francisco Julião; e o Movimento de Cultura Popular, formada por nomes como Germano Coelho, Paulo Freire, Abelardo da Hora entre tantos outros. E claro, à frente do governo estadual estava Miguel Arraes.

O Mundo vivia uma "Guerra Fria", um conflito internacional de influências que tinha dois lados: um dos lados, chefiado pelos Estados Unidos e o outro, pela então União Soviética (união de repúblicas socialistas formada pela Rússia, Ucrânia, Cazaquistão, Quirguistão, Armênia, Arzebaijão, Estônia, Letônia, Lituânia, entre outros países). 

Os norte-americanos lideravam uma legião de nações capitalistas enquanto a União Soviética liderava os países socialistas e comunistas. Os norte-americanos não queriam que a América Latina tivesse influência "do perigo vermelho", pois não engoliam o que ocorrera a Cuba cinco anos antes. Brasil (por conta das reformas de base) e Chile (presidido pelo socialista Salvador Allende que seria deposto e morto em 1972) eram países visados por conta das medidas populares.

Segundo vários historiadores, houve apoio ao golpe por parte de segmentos importantes da sociedade: os grandes proprietários rurais, grandes industriais, grande parte das classes médias urbanas (que na época girava em torno de 35% da população total do país) e o setor conservador e anticomunista da Igreja Católica (na época majoritário dentro da Igreja) que promoveu, em São Paulo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada poucos dias antes do golpe, em 19 de março de 1964..


Os militares brasileiros favoráveis ao golpe e, em geral, os defensores do regime instaurado em 1964 costumam designá-lo como "Revolução de 1964" ou "Contrarrevolução de 1964".] Todos os cinco presidentes militares que se sucederam desde então declararam-se herdeiros e continuadores da Revolução de 1964. A população, no início confusa e receosa, depois desinformada pela repressão à imprensa, acabou se acomodando à medida que a economia, aparentemente, melhorava.

Outro nome lembrado é o de Leonel Brizola, que promovera estatizações nas companhias telefônica e de energia do Rio Grande do Sul, ambas pertencentes a grupos dos EUA, criaram um clima tenso entre Brasil e Estados Unidos. Brizola denunciou um acordo de indenização fraudulenta feito com as companhias dos EUA, antigas proprietárias das estatais recém criadas do Rio Grande do Sul. O ministério caiu e o acordo foi suspenso, desagradando aos Estados Unidos.

Grandes veículos de Comunicação da época era amplamente favorável à deposição de João Goulart:

"Seria rematada loucura continuarem as forças democráticas desunidas e inoperantes, enquanto os inimigos do regime vão, paulatinamente, fazendo ruir tudo aquilo que os impede de atingir o poder. Como dissemos muitas vezes, a democracia não deve ser um regime suicida, que dê aos seus adversários o direito de trucidá-la, para não incorrer no risco de ferir uma legalidade que seus adversários são os primeiros a desrespeitar." ― O Globo de 31 de março de 1964.

"(…) Além de que os lamentáveis acontecimentos foram o resultado de um plano executado com perfeição e dirigido por um grupo já identificado pela Nação Brasileira como interessado na subversão geral do País, com características nitidamente comunistas." ― Correio do Povo de 31 de março de 1964.

"O Exército e os desmandos do Presidente.

"Se a rebelião dos sargentos da Aeronáutica fora suficiente para anular praticamente a eficiência da Arma, a subversão da ordem na Marinha assumia as dimensões de um verdadeiro desastre nacional." ― O Estado de S. Paulo de 31 de março de 1964.

"Aquilo que os inimigos externos nunca conseguiram começa a ser alcançado por elementos que atuam internamente, ou seja, dentro do próprio País. Deve-se reconhecer, hoje, que a Marinha como força organizada não existe mais. E há um trabalho pertinaz para fazer a mesma coisa com os outros dois ramos das Forças Armadas." ― Folha de S.Paulo de 31 de março de 1964.

"Basta! Não é possível continuar neste caos em todos os setores. Tanto no lado administrativo como no lado econômico e financeiro." ― Correio da Manhã de 31 de março de 1964.

"É cedo para falar dos programas administrativos, da Revolução. Mas é incontestável que um clima de ordem substituiu o que dominava o País, onde nem mesmo nas Forças Armadas se mantinham nos princípios de rígida disciplina hierárquica que as caracterizam." ― Folha de S.Paulo de 31 de março de 1964.

Arraes foi preso, acusado de "traição à Pátria" e mais tarde, foi exilar-se na Argélia, de onde só voltaria 15 anos depois, na Anistia de 1979. Brizola, Jango e muitos outros brasileiros acabaram exilados em outros países. Goulart morreria no exílio. Brizola voltou na Anistia e nos anos 80, foi eleito governador do Rio de Janeiro, sendo até hoje, o único brasileiro a governar duas diferentes unidades da Federação.

O golpe estabeleceu, a partir de então um regime de ufanismo nacionalista, politicamente alinhado aos Estados Unidos, e marcou o início de um período de profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. Além da limitação da liberdade de opinião e expressão, de imprensa e organização, a partir de 1969 tornaram-se comuns as prisões, os interrogatórios e a tortura daqueles considerados suspeitos de oposição ao regime, comunistas ou simpatizantes, sobretudo estudantes, jornalistas e professores. Centenas de opositores ao regime foram mortos ou desapareceram.

E se nada disso tivesse acontecido? Será que o Brasil seria uma "nação vermelha"? A revista Superinteressante, em 2004, em matéria da jornalista Mariana Ikawura, fez essa pergunta a militares, historiadores e professores (inclusive o escritor Joel Rufino dos Santos, autor do livro O Soldado que não era, falecido em 2015):

Uma coisa é certa: sem as duas décadas de governo militar, de 1964 a 1985, um Brasil completamente diferente teria se desenvolvido. Há quem diga que as mudanças seriam para pior. “Os revolucionários salvaram o Brasil de se tornar uma grande Cuba, amargando o destino ruim dos países-satélites da antiga União Soviética”, diz o coronel Manuel Cambeses Júnior, da Escola Superior de Guerra. Mas mesmo quem não apoiou o golpe reconhece que, em 1964, o Brasil vivia um momento político tenso e que a esquerda também preparava uma tomada do poder. “Havia dois golpes em marcha. O de Jango obrigaria o Congresso a aprovar um pacote de reformas e mudanças na sucessão presidencial”, escreveu o jornalista Elio Gaspari no livro A Ditadura Envergonhada.

Mas há uma corrente de historiadores que acredita que o país estaria bem mais avançado hoje se o governo de João Goulart não fosse interrompido. As reformas a que Elio Gaspari se refere são as chamadas reformas de base – como a agrária e a educacional . “Se colocadas em prática, elas poderiam ter alavancado o desenvolvimento do país”, diz o historiador Joel Rufino dos Santos, da UFRJ.

Outro argumento de quem defende que o Brasil estaria mais avançado hoje é o insucesso da política econômica implantada pelos militares. Apoiada em empréstimos estrangeiros que financiavam obras gigantes como a hidrelétrica de Itaipu, a economia nacional viveu um período de bonança conhecido como “milagre econômico”. Mas, assim como as obras, os gastos também eram monumentais e nossa dívida externa cresceu 1 500% entre 1964 e 1978. Jango, ao contrário, queria investir na criação de uma indústria nacionalista, espalhada pelo país e protecionista (o Estado teria maior presença nos rumos da economia). “Ele teria criado condições para manter investimentos no Brasil e evitar o uso de mão-de-obra barata”, diz a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da USP.

Em suma, a jornalista relata que o País teria muito menos problemas do que hoje:

Mudanças na cultura
Nossa produção cultural seria bem diferente. De um lado, não teríamos algumas das melhores músicas escritas durante a ditadura, como forma de protesto. Por outro, muitos artistas tiveram sua produção tolhida pela repressão. Geraldo Vandré, por exemplo, autor de “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores” (que se tornou hino contra a ditadura), deixou o país e depois se afastou dos palcos. Sem o golpe, é possível que ele tivesse uma carreira mais prolífica

Brasil mais cabeça
Se a reforma educacional de Jango tivesse saído como planejada, nós teríamos índices de analfabetismo baixíssimos e uma universidade pública com investimentos sérios em pesquisas de ponta. “Poderíamos ser a vanguarda nas pesquisas científicas e ter até ganhadores do Prêmio Nobel”, diz Joel Rufino dos Santos

Moradia mais digna
Um dos grandes responsáveis pelo inchaço das grandes cidades foi o êxodo rural. Com a reforma agrária, esse problema seria atenuado. “O aspecto principal desse crescimento desordenado é a favelização”, diz Joel Rufino dos Santos. Teríamos, então, cidades menos miseráveis

Movimento Sem Terra
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra simplesmente não existiria. Pessoas que hoje dedicam sua vida à luta pela reforma agrária teriam uma vida bem diferente. É o caso de João Pedro Stédile, atual ideólogo do MST. Com a reforma agrária implementada, é possível que ele se dedicasse às pesquisas em economia, sua área de formação

Sem energia nuclear
Hoje, cerca de 40% da produção de eletricidade do estado do Rio de Janeiro sai da usina nuclear Angra I, cuja construção foi iniciada em 1972, durante o governo militar. O desenvolvimento da tecnologia foi iniciativa dos militares, em parceria com a Alemanha. Sem eles no poder, é bem possível ainda não tivéssemos dado nenhum passo nessa área

Muitas vozes
Com uma indústria mais forte e menos êxodo rural, todas as regiões do país se desenvolveriam. Assim, a grande imprensa não estaria concentrada no Sudeste, como hoje. Sem o golpe – e portanto com 20 anos a mais de democracia – é possível que tivéssemos uma diversificação maior de vozes na imprensa, com publicações de diferentes inclinações políticas.

Que esses vivências virem história, independente de olhares e ideologias,  para que fatos como esse não mais aconteçam no Brasil.

Com informações da Wikipedia, Revista Superinteressante e Editora Unesp