domingo, 17 de julho de 2011

Sargaço - Capítulo 06 - Um ídolo para as crianças

Todos os dias, saía sempre algo nos jornais sobre Sargaço, o hippie misterioso que fazia seus salvamentos sem qualquer equipamento de segurança. Os jornais, as rádios, a TV, não havia um dia sem notícias do cara. Incêndios, deslizamentos, queda de ponte, acidente, suicidas sendo salvos, tudo tinha a mão do Sargaço.

Já falavam até em filme pra ser lançado durante as férias. Até a indústria de brinquedos criou um boneco do Sargaço, fantasias, livros para colorir, álbum de figurinhas. E o Sargaço vivia apenas do salário de enfermeiro e das palestras que fazia nas escolas, cada vez mais freqüentes.

- Viramos a noite contando essa história e chegamos ao ponto inicial. Quem é você?

- Olha, eu sou um cara normal...

-... Não mesmo, Antonio Sargaço, normal você não é! Você não tem medo de morrer? Faz seus salvamentos sem segurança alguma. Faz as palestras nas escolas, amado pelas crianças, desperta paixões, como você consegue ser assim?

- Eu não sei. Juro. Até a senhora ficou calada, me ouvindo.

- Agora entendo o motivo de tamanho fascínio...

- Bora mudar de assunto, o dia tá amanhecendo... Quer abençoar seu filho?

- Como assim?

- Descubra sua barriga e coloque de frente pro sol. É uma vida abençoando outra.

Sargaço deitou a cabeça de Maricielo em suas pernas e abriu os botões da bata que ela estava usando. O frio da madrugada dava lugar aos raios de sol. Naquele momento, Sargaço teve uma visão e simplesmente disse:

- Minha vida será marcada pelo nascimento desse menino.

Mari não entendera nada, mas as palavras do herói marcariam seu coração. Ela desejou que Sargaço fosse o pai do seu menino, e não um jornalista medíocre, como Antúlio.

De volta à vida real, Maricielo ligou para seu chefe e contou o que havia ocorrido:

- Rádio? É Maricielo.

- Minha filha, onde você esteve esse tempo todo?

- Desvendando os mistérios do herói do mar. Passei a noite com Sargaço.

- Você o que????

- Exatamente, passei a noite ouvindo as suas histórias e o dia amanheceu com um ritual falando em bênção de vida, que meu filho marcaria a vida dele, coisa estranha, sabe?

- Menina, vá pra casa, descanse e depois registre toda a sua história com ele, antes que você entre de licença-maternidade.

- Rádio, por favor, diz a Antúlio que eu quero conversar com ele.

- Eu vou chamar, querida, aguarde.

-....

- Mari? Antúlio!

- Olha, o bebê nasce em poucos dias e eu quero que você saiba que é seu. Não seria de outro homem, infelizmente é seu.

- Mas por que infelizmente???

- Me envergonho de ter casado contigo, um jornalista que vende pautas, que não tem vergonha de fazer anúncios em seus flashes...

- Você é uma romântica! Nunca vai vencer na profissão! Ainda bem que vai se tornar mãe... Por que como jornalista...

-Me respeite! Respeite a minha profissão! E vou educar nosso filho para que ele nunca seja igual a você!

E desligou na cara do colega.

Por dois dias, Maricielo ficou trancada em casa, decupando entrevistas e escrevendo textos, fazia tudo sem sentir, via a foto do ídolo e trabalhava cada vez mais. Às vezes sentia uma fisgada no ventre, mas não ligava, o trabalho deveria estar pronto antes dela ir para a maternidade. No sábado à noite, ligou para Rádio e entregou o material para ele, que ficou tão encantado com o resultado, a ponto de querer transformar tudo num livro.

O “semideus” do povo agora seria humanizado, sem perder a beleza.