domingo, 30 de novembro de 2025

#SendoProsperidade com Mariângela Borba

Por Que as Cidades Modernas Produzem Solidão — e Como Isso Adoece o Mundo

 
Por Mariângela Borba

A explosão de arranha-céus, a compactação das moradias e o avanço de um urbanismo cada vez mais funcional não são fenômenos aleatórios. Eles traduzem uma mudança profunda: a cidade deixou de ser pensada para as pessoas e passou a ser moldada pela lógica econômica — produzir, consumir, circular.
No cenário atual, prédios colados uns aos outros tentam “encaixar” mais gente. Os apartamentos se tornam cubículos uniformizados, projetados para servir ao mínimo: dormir entre um turno e outro.

A pergunta que fica é simples: onde entra o ser humano nisso?

A cidade como engrenagem: quando viver vira automatismo

O cotidiano urbano moderno se organiza em torno de cubos — de concreto e de metal.
Acordar em um cubo, deslocar-se dentro de outro, trabalhar em mais um. Um ciclo que privilegia eficiência, não vida.

Em meio a essa lógica, questões essenciais são empurradas para o rodapé do planejamento urbano:
E a beleza? E a memória? E a alma dos lugares?
A homogeneização dos espaços elimina identidade — e identidades, quando se fortalecem, criam pertencimento. Porém, do ponto de vista econômico, pertencimento reduz mobilidade, e mobilidade é vista como requisito do mercado. O efeito colateral? Solidão crescente.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou que uma em cada seis pessoas no mundo é afetada pela solidão, com impactos diretos no bem-estar e na saúde mental. A própria configuração dos “cubos” urbanos — moradia, trânsito, trabalho — reforça esse isolamento.

Quando cidades cuidam de pessoas

Há, no entanto, cidades que seguem uma lógica oposta: Roma, Florença, Praga.
São lugares que convidam a caminhar, observar, sentar nas praças, existir com leveza.
Urbanistas, planejadores públicos e pesquisadores já comprovaram que ambientes caminháveis, belos e socialmente vivos produzem impacto positivo na saúde mental.

Um relatório de 2024 da Foundation for Social Connection reforça que o ambiente construído pode tanto estimular quanto impedir interações humanas significativas.

Pesquisas de Jan Gehl e da Universidade de Toronto mostram como a ativação dos espaços públicos aumenta a sensação de pertencimento.
Estudos publicados no International Journal of Environmental Research and Public Health associam maior contato com áreas verdes urbanas à redução da demanda por serviços de saúde mental.

A mensagem científica é clara: cidades que acolhem adoecem menos.

Solidão: um risco comparável ao tabagismo

Segundo a OMS, a solidão e o isolamento social aumentam o risco de depressão, ansiedade, doenças cardiovasculares, demência e até morte precoce — impactos comparáveis a fatores clássicos como sedentarismo e tabagismo.

As estimativas são alarmantes:
o isolamento social está ligado a cerca de 817 mil mortes por ano, aproximadamente 100 por hora.

E os mais afetados?
Jovens entre 10 e 24 anos, sobretudo em ambientes urbanos, digitais e altamente competitivos.
Essa vulnerabilidade tem explicações:
É uma fase de intensa construção identitária.
Há maior necessidade de pertencimento.
A pandemia interrompeu processos formativos essenciais.

As cidades oferecem menos espaços de convivência.
A pressão por performance e a hiperexposição digital amplificam medos, rejeições e fracassos.
Do ponto de vista da neurociência, a “dor social” da exclusão ativa áreas cerebrais semelhantes à dor física — e adolescentes possuem hipersensibilidade neurológica a rejeições, segundo estudos de ressonância magnética funcional (fMRI).

Se a cidade adoece, como construir bem-estar?
As cidades mudam, e continuarão mudando. O ponto central é: não podemos perder o que nos torna humanos.

Para reduzir o adoecimento urbano, especialistas e organismos internacionais defendem políticas públicas que:
• priorizem vínculos sociais;
• criem espaços públicos vivos;
• reduzam o isolamento;
• estimulem a convivência;
• promovam ambientes urbanos pensados para relações humanas, não apenas para fluxo econômico.

A preservação da essência humana — memória, beleza, convivência, pertencimento — pode ser a chave para recuperar o urbano como lugar de vida, não apenas de produção.

Sobre a autora
Mariângela Borba é jornalista diplomada, professora, revisora credenciada e Social Media Expert. Atua como produtora cultural com forte presença na cena pernambucana, tendo passado por conselhos culturais e órgãos públicos como a Secretaria Executiva do MinC (Regional Nordeste) e a Secretaria de Imprensa de Paulista (PE).
Atualmente, dedica-se também aos estudos da Psicanálise, incorporando uma perspectiva analítica à sua prática.
É membro da UBE e da AIP, honrando um legado familiar ligado à fundação desta última.