O governo federal, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), apresentou uma tabela de preços para calcular os valores dos títulos a serem pagos pelos assentados da reforma agrária e de programas ligados à regularização fundiária. A tabela faz parte da Medida Provisória (MP) 759, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana. Representantes ligados ao assunto afirmam que a proposta irá acelerar a concentração fundiária.
A chamada Planilha de Preços Referenciais foi publicada na sexta-feira (31), no Diário da União, sob a Instrução Normativa nº 87/2017.
Ulisses Manaças, coordenador estadual e integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirma que a medida do governo de Michel Temer é uma forma de mercantilizar a reforma agrária e contribuir com a expansão do agronegócio, que, segundo ele, "está de olho" nas terras dos assentamentos rurais.
"O MST e os movimentos sociais são contra essa medida, porque o agronegócio está de olho nos oito milhões de hectares de terras que os movimentos sociais conquistaram na criação de assentamentos da reforma agrária, principalmente na Amazônia. Então, essa proposta coloca esses lotes à disposição do agronegócio", declara.
Para o diretor de Desenvolvimento de Assentamentos do Incra, Ewerton Giovanni dos Santos, o Programa Nacional de Reforma Agrária nunca teve como objetivo distribuir terras de forma gratuita ao assentado, e pontua que a entrega dos títulos definitivos não irá implicar em reconcentração de terras.
“A destinação final evitando a reconcentração está prevista na própria legislação, que prevê que é proibido a reconcentração acima de dois módulos fiscais. Para se ter uma ideia, para ser considerada um agricultor familiar, a pessoa pode deter até quatro módulos fiscais nas áreas de reforma agrária. Por isso, no título que será expedido, vem uma cláusula que proíbe o cartório de aceitar a reconcentração em mais de dois módulos ficais. Então, não há possibilidade de uma área de reforma agrária ser reconcentrada novamente”, argumenta Santos.
Segundo ele, as prioridades para emissão dos títulos serão destinadas aos assentamentos que têm mais 20 anos e que cumpriram algum estágio no processo de desenvolvimento, e para aqueles que tenham dez anos e estejam em um patamar mais avançando, seja no processo de infraestrutura, seja na regulamentação jurídica.
Santos diz que, se o beneficiário da reforma agrária não quiser comprar o lote, ou seja, adquirir o título definitivo, ele poderá continuar com título coletivo, denominado de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
"Um título não é sinônimo de interrupção das políticas do assentamento, mas apenas uma das políticas, um dos direitos do assentado, como a estrada, a casa, o auxílio de água, a energia. Então, uma coisa não impede a outra em momento algum", afirma.
Santos declara ainda que, mesmo após a entrega dos títulos, não há necessidade de fiscalizar possíveis vendas de lotes dos assentamentos. "Quando um possível adquirente for comprar essa terra, ele vai ter o ônus gravado na matricula, proibindo a reconcentração. Então, ninguém conseguiria reconcentrar em nenhum cartório do país”, finaliza.
Realidade
O líder do MST discorda do diretor do Incra, apontando que já há processos de reconcentração fundiária em assentamentos antigos e desprovidos de políticas públicas. São os chamados de assentamento de papel, no qual as famílias estão sem acesso à escola, ao sistema de abastecimento de agua, à energia e a linhas de crédito rural para iniciar a produção de produtos da agricultura familiar.
“As pessoas vão abandonando os assentamentos. Depois, os lotes vão sendo comercializados de forma clandestina, já que é proibido comercializar lotes da reforma agrária”, conta.
Manaças destaca que, para o movimento, a titulação é “instituir um mercado de terras” que transformará o assentado em um pequeno proprietário, e o governo deixará de ter responsabilidade sobre aquela família. A contradição, para ele, é que o assentado “é uma pessoa que recebe política pública do estado, entendendo a reforma agrária como processo central para o desenvolvimento nacional”.
O presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, analisa que a medida no fundo quer emancipar “280 mil famílias em uma canetada, mesmo com os assentamentos precários”. Ele considera a medida perversa.
“Boa parte dos assentamentos está à mingua. Então, é, no mínimo, perverso você querer emancipar essas famílias e ainda querer cobrar pela terra. As pessoas não têm dinheiro para comprar comida, quanto mais pagar pela terra. E não é porque não produz, mas porque falta crédito. No ano passado, por exemplo, o orçamento da União tinha R$ 1 bilhão para o crédito de instalação das famílias assentadas, e o governo não liberou um centavo”, diz Teixeira.
Para ele, que também foi diretor de economia do Ministério do Meio Ambiente durante o governo Lula (entre 2004 a 2005), o Incra não tem previsão para liberar orçamento para implementar a infraestrutura necessária nos assentamentos.
“Então, ao invés disso, eles [governo] estão priorizando dar o título definitivo e, assim, o assentado passa a ser o dono da terra. Nas condições em eles [assentados] estão, sem condições de viabilidade econômica, vão vendê-la para o primeiro fazendeiro que aparecer. Então, é isso que essa medida provisória faz”, argumenta.
Brasil de Fato