Recife, PE – Um fenômeno crescente tem preocupado médicos, educadores físicos e familiares em todo o mundo: o aumento de casos de morte súbita entre jovens, especialmente aqueles engajados em atividades esportivas. Embora ainda seja um evento raro, com uma incidência estimada entre 1 e 3 casos para cada 100 mil atletas jovens por ano, o impacto desses episódios é devastador, não apenas pelas vidas perdidas, mas também pela sua natureza imprevisível.
A morte súbita, por definição, é um evento inesperado, geralmente de origem cardíaca, em indivíduos que aparentemente gozam de boa saúde. De acordo com a Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS) e a literatura médica, as principais causas estão ligadas a doenças cardíacas silenciosas. A cardiomiopatia hipertrófica é responsável por cerca de 36% dos casos, seguida por anomalias nas artérias coronárias, arritmias hereditárias e outras condições congênitas que, muitas vezes, permanecem sem diagnóstico.
Um perfil predominante das vítimas tem chamado a atenção: jovens do sexo masculino, fisicamente ativos, que praticam esportes de alta intensidade como futebol, corrida, basquete ou natação. Alarmantemente, grande parte deles não apresenta sintomas até o momento da parada cardíaca. Estudos indicam que aproximadamente 90% dos casos ocorrem em indivíduos considerados saudáveis por seus familiares, treinadores e até mesmo por exames de rotina superficiais.
Murilo Gominho, professor de Educação Física do Centro Universitário UniFBV Wyden e mestre em Hebiatria (especialidade voltada para o cuidado de adolescentes), enfatiza a necessidade de analisar o problema dentro de um contexto mais amplo do desenvolvimento juvenil. “A adolescência é uma fase extremamente importante na vida das pessoas porque comportamentos adquiridos nessa fase da vida comumente são levados para a vida toda. Por isso, é extremamente importante introduzir um estilo de vida saudável — e a prática de atividade física está inserida dentro deste contexto”, afirma Gominho.
Dados recentes corroboram essa perspectiva: a American Academy of Pediatrics aponta que adolescentes sedentários podem ter uma incidência de até 6,2 casos de mal súbito por 100 mil pessoas anualmente. Já entre os adolescentes ativos, esse número cai para 1 ou 2 casos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso sugere que a atividade física, quando bem orientada, atua como um fator de proteção.
“Então, a prática de atividade física ou exercício físico nesta fase da vida auxilia na prevenção da morbimortalidade e de diversos outros agravos que podem estar associados a causas de mal súbito”, destaca Gominho. Ele também reforça a importância do acompanhamento especializado: “Para uma maior segurança durante o treino, esse adolescente deve ser acompanhado por profissionais devidamente habilitados — e, se possível, especializados nesse grupo. Esses profissionais irão avaliar a condição de saúde do adolescente e respeitar as fases maturacionais. Caso venha a ser necessário, poderão solicitar a declaração médica.”
Diante desse cenário, a SBAFS reitera a necessidade de protocolos mais rigorosos de avaliação cardiovascular, especialmente antes do início de atividades físicas intensas. A triagem recomendada inclui uma anamnese detalhada, histórico familiar de doenças cardíacas, exame físico e, crucialmente, a realização de eletrocardiograma (ECG) em repouso. Em situações de suspeita, exames complementares como ecocardiograma, teste de esforço e, eventualmente, ressonância magnética ou estudo genético podem ser decisivos para um diagnóstico precoce.
Medidas simples podem salvar vidas. A presença de desfibriladores externos automáticos (DEA) em escolas, academias, clubes e eventos esportivos é uma das mais eficazes, juntamente com o treinamento de equipes para uma atuação rápida em emergências. Estudos demonstram que a sobrevida em casos de parada cardíaca pode ultrapassar 70% quando a desfibrilação é aplicada nos primeiros três minutos.
Apesar da preocupação que o tema possa gerar, especialistas salientam que a prática de atividades físicas continua sendo essencial para a saúde dos jovens. O objetivo principal não é afastá-los do esporte, mas sim assegurar que ele seja praticado com máxima segurança. Com uma triagem adequada, protocolos de emergência e orientação profissional qualificada, é possível minimizar os riscos e preservar vidas.