domingo, 14 de dezembro de 2025
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sábado, 13 de dezembro de 2025
#SendoProsperidade com Mariângela Borba
Olhar que Inclui
Por Mariângela Borba
Olá você leitor da coluna #SendoProsperidade, tudo bem? Costuma-se repetir que a tecnologia transforma o mundo. A pergunta que quase nunca se faz é: transforma para quem?
Nesta semana, estive à frente — como mestre de cerimônias e relatora — do II Seminário Pernambucano de Tecnologia Assistiva, uma experiência que ultrapassou o debate sobre inovação e tocou em temas estruturais: ética, inclusão e direitos humanos.
O evento foi idealizado e coordenado por uma pessoa cega, com deficiência visual total o Manuel Aguiar. E tudo começa aí. Mesmo sem a visão física que permite enxergar um céu azul de brigadeiro ou uma chuva de meteoros sem audiodescrição, ele enxerga mais longe do que muitos de nós. Teve a visão necessária para reunir pesquisas, pessoas e tecnologias capazes de enfrentar barreiras reais — aquelas que seguem limitando vidas.
Nada ali foi aleatório, nem mesmo a escolha das datas. O seminário teve início em 9 de dezembro, Dia Internacional Contra a Corrupção, Dia da Criança com Deficiência e Dia do Fonoaudiólogo, e foi encerrado em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Um gesto político e simbólico, que reposiciona a tecnologia no lugar onde ela deveria estar: a serviço da dignidade humana.
Além de cego, o coordenador é uma pessoa idosa, na forma da lei, e atua há mais de cinco décadas na defesa da acessibilidade. Longe da imobilidade, já projeta a próxima edição do evento, prevista para daqui a três anos. Segundo ele, os entraves ainda são conhecidos: o alto custo das tecnologias assistivas e o desconhecimento de quem mais precisa delas.
A desigualdade no acesso à tecnologia não é exceção — é regra. Em Pernambuco, no Brasil e no mundo, milhões seguem excluídos da conectividade e da alfabetização digital. A exclusão digital amplia desigualdades sociais e atinge, de forma ainda mais severa, pessoas com deficiência sensorial.
Essa realidade foi tensionada também pela fala de Antônio Victor Brochardt, palestrante surdo, que trouxe à cena outra dimensão essencial da acessibilidade: a comunicacional. Victor destacou que inclusão não se resume à presença de intérpretes de Libras em eventos. Ela passa pelo reconhecimento da identidade surda, pelo acesso a concursos e tecnologias adequadas, pela educação bilíngue e por ambientes digitais pensados para comunicar — e não apenas traduzir. A tecnologia, em sua visão, só pode ser chamada de inclusiva quando considera quem a utiliza desde a sua concepção, e não como adaptação posterior.
Entre os projetos apresentados, destaco o de João Paulo Calixto, jovem cientista da computação cearense, com apenas 4% da visão em um dos olhos. A partir da própria limitação, ele desenvolveu um aplicativo de gráficos táteis, capaz de transformar conceitos geométricos em experiências multissensoriais. Quando a tecnologia nasce da necessidade real, tende a ser mais humana.
Outro exemplo veio da prática de uma terapeuta ocupacional, Roberta Falcão, que utiliza impressoras 3D para desenvolver terapias mais acessíveis, a exemplo de talheres personalizados para idosos. Ela alertou: adaptações improvisadas podem parecer inclusivas, mas acabam reforçando o constrangimento e a exclusão. Incluir não é disfarçar a diferença; é reconhecê-la sem estigmatizar.
Tecnologia assistiva existe para promover autonomia, independência e participação plena. Vai de rampas com pisos táteis e cadeiras de rodas a softwares, leitores de tela e sistemas de comunicação alternativa. Mas nenhuma inovação cumpre seu papel sem políticas públicas, investimento contínuo e responsabilidade coletiva.
Uma das reflexões mais incômodas da semana, pelo menos
para mim, veio de Thiago Monteiro, jovem tutor de uma cadela-guia. Sem rodeios,
ele escancarou uma verdade que muitos preferem não enxergar: “Optei por um
cão-guia porque eles aproximam as pessoas da gente. A bengala branca afasta.
Coloquei também um olho de vidro.” Ouvir isso no Dia Internacional dos Direitos
Humanos não é apenas desconfortável — é revelador. Revela o quanto ainda somos
socialmente incapazes de lidar com a deficiência sem desumanizar quem a
carrega. E expõe, de forma cruel, que a falta de empatia segue sendo uma das
mais profundas deficiências da sociedade.
Talvez a maior tecnologia que nos falte não seja digital.
Seja humana.
E sobre isso, seguimos falando na próxima semana.
Mariângela Borba é jornalista diplomada, produtora
cultural e mestre de cerimônias. Atua na interseção entre comunicação, cultura,
direitos humanos e inclusão, com trajetória marcada pela participação em
conselhos culturais e em órgãos públicos, como a Secretaria Executiva do MinC
(Regional Nordeste) e a Secretaria de Imprensa de Paulista (PE). Professora,
revisora credenciada e Social Media Expert, investiga a palavra como ferramenta
política e simbólica. Atualmente, dedica-se aos estudos da Psicanálise, incorporando
uma leitura crítica do sujeito e da sociedade à sua prática. É membro da UBE e
da AIP.