sábado, 27 de dezembro de 2025

#SendoProsperidade com Mariângela Borba

Fim de ano não é obrigação de felicidade

Por que Natal e Ano-Novo também são gatilhos emocionais para muitas pessoas

Por Mariângela Borba*

 

Olá, leitores do #SendoProsperidade, tudo bem?

Em uma entrevista antológica concedida no México, uma repórter pede a José Saramago que deixe uma mensagem de final de ano para a audiência. Surpreso, ele olha para a esposa, sem saber o que dizer, e pergunta o que poderia falar. Ela sugere “qualquer coisa”. Saramago então decide ser honesto: diz que odeia o Natal. Explica que, nessa época, todo mundo é — ou aparenta ser — bonzinho, enquanto nos outros 364 dias do ano ninguém se sente obrigado a isso.

Trago essa entrevista para falar sobre saúde mental no final do ano.

As festas de fim de ano costumam ser associadas à alegria, abraços, encontros e celebrações. Mas, para muitas pessoas, esse período representa exatamente o oposto: recaídas emocionais, crises de ansiedade e tristeza profunda. O fim de ano concentra vários fatores de estresse: expectativas sociais irreais de felicidade, reuniões familiares intensas, luto, solidão, comparação social, pressão financeira e exaustão.

Muita gente perdeu pessoas queridas. E, durante o Natal e o Ano-Novo, observa-se em algumas pessoas um aumento de sintomas depressivos e ansiosos — especialmente naquelas que já vivenciaram episódios anteriores. Também cresce o uso abusivo de álcool e outras drogas, seja para anestesiar a dor, seja para tentar criar uma alegria artificial.

A literatura médica chama esse fenômeno de “Holiday Blues” (tristeza de fim de ano): sentimentos temporários de tristeza, solidão ou estresse que surgem durante a temporada de festas, geralmente associados a luto, expectativas irreais, dificuldades financeiras ou pressão social. Diferem da depressão clínica por serem passageiros e menos intensos, mas ainda assim exigem autocompaixão e cuidado. Manter rotinas, limitar o consumo de álcool, buscar apoio emocional e ajustar expectativas são estratégias importantes para atravessar esse período.

Datas festivas funcionam como marcadores emocionais de perdas. Sentimentos de exclusão, isolamento — especialmente entre idosos — e comparações sociais negativas tornam-se mais frequentes. Em reuniões familiares, conflitos antigos podem ser reativados. Casais em crise, por exemplo, muitas vezes se sentem pressionados a sustentar uma aparência de harmonia que não existe.

Por isso, é fundamental ajustar expectativas e reduzir o perfeccionismo. Talvez seja útil pensar como Saramago naquela entrevista: é apenas uma data. Eu continuo sendo eu mesmo, e o mundo continua sendo o mesmo. O ideal é priorizar vínculos significativos — verdadeiros fatores de proteção para o humor e o bem-estar — e limitar o tempo em ambientes hostis. Se um contexto familiar é tóxico, não é obrigatório “bater ponto”. Evitar também é cuidar.

Outras recomendações importantes: reduzir o tempo nas redes sociais, preservar o sono, manter alguma rotina de exercícios físicos e evitar excessos alimentares e de álcool.

Se a reunião familiar é ruim, se o clima é de exclusão, ligue para amigos. Vá para onde existe acolhimento. As festas não precisam ser perfeitas para serem humanas — e cuidar da saúde mental faz parte deste período do ano.

Crescer é compreender que dezembro não fala de presentes caros, mas do presente maior: a vida. É olhar ao redor e reconhecer que o verdadeiro tesouro vive nas pessoas que amamos, na saúde que nos sustenta e na graça de ainda estarmos aqui.

É ter com quem sentar à mesa, partilhar o pão, a conversa, o silêncio e agradecer por mais um ano — mesmo quando ele veio com desafios. A verdadeira magia deste tempo está no que dinheiro algum compra:

amor, presença, saúde e as memórias que seguimos construindo juntos.

 

*Mariângela Borba é jornalista diplomada, produtora cultural e mestre de cerimônias. Atua na interseção entre comunicação, cultura, direitos humanos e inclusão, com trajetória marcada pela participação em conselhos culturais e em órgãos públicos, como a Secretaria Executiva do MinC (Regional Nordeste) e a Secretaria de Imprensa de Paulista (PE). Professora, revisora credenciada e Social Media Expert, investiga a palavra como ferramenta política e simbólica. Atualmente, dedica-se aos estudos da Psicanálise, incorporando uma leitura crítica do sujeito e da sociedade à sua prática. É membro da UBE e da AIP.