Podcast Taís Paranhos

domingo, 27 de novembro de 2022

O menino do lnterior que ganhou o Mundo salvando vidas: a história de Dr. Bruno Gino

 

Brasileiro de atuação internacional, com artigos publicados em revistas cientificas, professor adjunto de Medicina de Emergência da Memorial University, no Canadá e Mestrando em Ciências da Saúde. Atuante nas redes sociais e que faz seus atendimentos em Telemedicina. 

Tudo isso já é suficiente para qualquer pessoa sensível no Brasil se orgulhar do médico generalista Bruno Nogueira Gino, 36 anos de idade e seis como médico, nascido em Juazeiro do Norte e que se criou no município vizinho, o Crato, a 503 km de Fortaleza. 

No entanto, o que faz Dr. Bruno Gino MD ter uma trajetória ainda mais especial são as suas raízes: o menino do lnterior que lutou para se alfabetizar, terminou o Ensino Fundamental através do Supletivo (hoje EJA), deu aulas particulares de Matemática, Física, Química, Biologia e lnglês para se sustentar enquanto fazia faculdade de Medicina no interior da Bahia e que tinha como mobília um colchonete, uma caixa de isopor e uma mala com poucas roupas. 

Quem tem a oportunidade de conversar com ele, como eu tive - através de videochamada pelo Google Meet - percebe que "Doctor Gino" tem na sua essência o Bruno, rapaz sertanejo que ganhou o mundo sem perder suas raízes. E foi com esse cidadão que eu conversei e agora vamos ler  a entrevista, e ao mesmo tempo, algumas de suas postagens no Twitter :


Conta pra gente sobre a sua trajetória
Sou nascido e criado no Cariri Cearense. Nasci no Juazeiro do Norte e me criei no município do Crato. Minha alfabetização não foi fácil, pois sempre estava mudando de escola. Meu pai tentava pagar meus estudos com permuta, que isso é muito comum no Ceará, trocando por material escolar, mas nem sempre era possível e eu sempre tinha que sair do colégio. Quando criança, uma tia, professora primária, foi quem teve a iniciativa de me alfabetizar. E pra terminar o Ensino Fundamental, fiz supletivo e aprendi a base da base da base.

 
E a vocação pra Medicina? 
Pra falar a verdade eu nem pensava em fazer o curso de Medicina. Mas na adolescência, comecei a namorar a Carla, menina de familia tradicional de interior, e que hoje é minha mulher. Ela sempre quis ser médica e eu, pra impressioná-la, resolvi estudar pra fazer Medicina também. Mas eu não tinha muita base e todo o conhecimento de ensino médio que adquiri por anos a fio, foi a Carla que me ensinou. Ela que me ensinou tudo. Sabe o Pi, 3,14? Eu não tinha ideia do que era isso e ela me ensinou. Nesse estudo por anos, a gente se preparou mesmo. Ela passou em Medicina numa faculdade privada lá da nossa cidade e no ano seguinte, eu passei em duas faculdades de Medicina e fui estudar na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, na cidade de Jequié.


E como foi passar pelos anos de faculdade, longe da familia e longe da Carla? 
Não foi nada fácil, pode ter certeza. Pra sobreviver eu tive que dar aulas particulares de Matemática, Física, Química, Biologia e lnglês, anunciava as aulas de reforço nas portas das escolas e ensinava aos alunos em dificuldades. Os três primeiros anos foram muito difíceis: eu dormia no chão, tinha apenas uma calça e três camisas e a minha geladeira era um isopor. Cheguei a Jequié com apenas R$ 80 no bolso. Depois tive apoio de uma tia, da familia da minha namorada e comecei a fazer estágios e assim as coisas melhoraram. Nesse meio termo, em 2015 a Carla se formou e foi fazer residência em Pediatria, na Bahia, em Salvador. No ano seguinte, eu me formei e duas semanas depois, em 26 de outubro de 2016, eu e a Carla nos casamos. Ela hoje é Alergologista Pediátrica.


Após a formatura, como foi a trajetória de vocês?
Nós fomos viver em Minas Gerais, na cidade de Uberlândia. Ali trabalhei em dois  hospitais e vi muita coisa. O dia a dia ensina muito. Resgatei bebês recém-nascidos abandonados, fui médico dos Bombeiros que participaram dos resgates das vitimas da tragédia de  Brumadinho, em 2019... E nas emergências precisávamos improvisar e, inclusive, meu conhecimento adquirido me ajudaria a escrever um artigo sobre a construção de um respirador portátil, mas conto sobre o artigo daqui a pouco.


Alguma história inesquecível nessas emergências? 
Um homem havia sofrido um acidente automobilístico e com o impacto, bateu o pescoço no volante. Quando cheguei com a equipe de socorro, ele estava agonizando e morreria em poucos minutos se eu não fizesse algo rápido. Tive que fazer uma cricotiroidostomia de emergência para que ele voltasse a respirar e assim, consegui levar ao hospital. Três meses depois, para minha surpresa, chegou esse paciente levando uma linda cesta de café da manhã para o hospital e eu estando de plantão. "É uma pequena lembrança diante do homem que salvou a minha vida". Não tem preço mesmo.




E como se deu a sua ida para o Exterior?
Eu queria fazer residência fora do Brasil, para conhecer o mundo, para ter prestigio e pela internet comecei a fazer contatos. Tenho artigos publicados, inclusive sobre o respirador portátil - falo sobre ele já já - e  estava com tudo certo para ir ao Canadá em março de 2020. Mas o que aconteceu?

 

Pandemia...
Exatamente. Mas nessa época tive a oportunidade de escrever sobre o artigo para falar de um respirador portátil. Com as fronteiras fechadas, fui pra casa e comecei a trabalhar na construção desse aparelho de ventilação de baixo custo e uma equipe de engenheiros e fisioterapeutas. O artigo foi publicado em julho daquele ano e fui convidado a ser professor adjunto da Ontario Tech University e também para ensinar no Memorial University, onde estou até hoje.


E você, ficando no Brasil, lutando contra a covid...
Enquanto dava aulas de forma remota na universidade canadense, fiquei na linha de frente e vivi coisas terríveis... Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, trabalhei na UTl  e por isso sou convicto de que nunca saímos da pandemia. Mas podemos dividi-la em antes e depois da vacina. Antes, as maiores vitimas eram pessoas idosas e depois os mais jovens eram maioria das vitimas fatais. Era horrivel decidir quem poderia ocupar leitos e quem não poderia. Pacientes jovens me pegavam pelo braço, implorando "Doutor, não me deixa morrer". E quando os sedativos acabavam? Cheguei a pedir conselhos para colegas no Canadá sobre o que fazer e uma professora me respondeu "eu dava um tiro em minha cabeça se tivesse que escolher quem viver". Assinei 187 atestados de óbito de vitimas da pandemia.

E hoje? O que falar do Bruno Cidadão?
Sou um profissional com carreira em construção. Trabalho com Telemedicina para pacientes do Brasil, como médico generalista (equivocadamente chamado de clinico geral) e também trabalho como voluntário para pessoas carentes do Nordeste, bem como ajudo colegas do antigo Mais Médicos, na Amazônia, que atendem Saúde lndigena. lsso me fez ser uma pessoa engajada politicamente, quero justiça para meus pacientes que morreram, ser alguém que lute por eles. Quero ser a voz deles. Graças ao PT e ao Presidente Lula, eu tive oportunidade de estudar e ser médico. Uma certeza é essa: O Brasil, depois de tudo isso, não será o mesmo pais.