domingo, 16 de novembro de 2025

#VcNoBlog Angelo Brás Fernandes Callou


Ortinho

Por Angelo Brás Fernandes Callou

Ontem foi uma noite de surpresas. E foi noite de aprendizados. 

Com um convite na mão, cheguei ao Teatro do Parque para assistir ao show Ortinho Repentista, do cantor e compositor Ortinho, com a participação especial da extraordinária Maria Alcina.

Eu jamais ouvira falar de Ortinho, atuante desde os anos 1970 e 1980 na cena musical pernambucana, hoje radicado em São Paulo.

Ortinho faz parte de uma geração ao redor de Lula Côrtes, Marco Polo, Alceu Valença, Robertinho do Recife e das bandas Ave Sangria e Querosene Jacaré.

Gostava de ouvir, à época, Lula Côrtes (ainda o escuto de vez em quando no Spotify) e, claro, Alceu Valença. O extraordinário Robertinho do Recife só o vi tocar uma única vez, no show Gal Tropical (Teatro dos Quatro, no Rio de Janeiro, em 1979), no dueto de sua guitarra com a voz de Gal Costa em "Meu nome é Gal". Imorredouro. Onde andará esse extraordinário guitarrista?

 À medida que Ortinho vai cantando suas composições e de outros autores, com sua voz poderosa, diria que tão nossa, pelo sotaque e ritmos que misturam rock e estilos musicais nordestinos - dos repentistas, por exemplo -, vou refazendo meu próprio caminho de volta à minha formação cultural na juventude.

Vejo-me nos bares de Olinda, no Bartepapo, Fruta Pão, Ecológico e Cantinho das Graças, no Recife. O som desses lugares era da geração de Ortinho, incluindo os cearenses Fagner, Belchior, Ednardo, Amelinha, e o paraibano Zé Ramalho. De certa forma, já conhecia Ortinho. Mas só hoje fui apresentado a ele. Disse para mim mesmo.

O cenário do show é outra surpresa à parte. As imagens de pinturas projetadas me chamaram a atenção. Sou informado que são do artista plástico pernambucano Flávio Emanuel. Igualmente, um desconhecido para mim. Tão surpreso com a pintura do artista, falecido em 2021, me dei conta de que, em vários momentos do show, fiquei mais atento à projeção das telas do artista do que a Ortinho. 


Entra Maria Alcinda. Uma rara emoção. Com a mesma força musical de quando cantou "Fio Maravilha", de Jorge Ben Jor, no Festival Internacional da Canção, em 1972. A ditadura praticamente cancelou a carreira da artista, por ser considerada um péssimo exemplo para a família brasileira. Não tinha essa informação. A ditadura se foi, mas os ditadores ainda estão por aí a vomitar regras sobre a arte, os artistas e a sociedade. Eles não passarão. Maria Alcina resiste!

Outra surpresa da noite. Maria Alcina canta uma música de Caetano Veloso, de que jamais também ouvira falar: "A Cor Amarela", de 2008. Sob medida para seu estilo musical.

Saio em grupo do Teatro Parque em direção ao estacionamento na Av. Manoel Borba, com as comparações inevitáveis entre o cenário musical de quando era estudante universitário e saía desse mesmo teatro com o de hoje. Fiz uma lista do lixo circulante, mas, de propósito, não vou revelar. Acredito que cada um tem a sua própria, já passada a limpo. 

Atravesso silenciosamente a Praça Maciel Pinheiro, em sinal de respeito àquelas pessoas, literalmente abandonadas nas ruas do Recife pelo poder público. Olho para o casarão, ainda em ruínas, onde viveu Clarice Lispector, e a vejo chorando da sacada, olhando os desvalidos na Praça.

Agradeço ao jornalista Edgard Homem pelo convite para o show Ortinho Repentista.

Praia do Pina, Recife, 16 de novembro de 2025.
 
Referências 
Flávio Emanuel, em Extrato.art Foto de uma tela do artista.
Fotos: Callou, 2025.