sábado, 29 de novembro de 2014

Audiência pública do projeto Novo Recife começa com vaias e bate-boca

Vaias e bate-bocas marcaram a fase de discussão da audiência onde o consórcio Novo Recife apresenta, na manhã desta quinta-feira (27), o redesenho do projeto imobiliário destinado à área do Cais José Estelita, na área central da capital pernambucana. A audiência pública começou às 9h20, no Clube Internacional, com cadeiras ainda sobrando no espaço.  "Temos aqui técnicos do Consórcio que vão explicar as alterações feitas e depois abrir para a população se posicionar", aponta o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Urbano do Recife, Antônio Alexandre.

Compareceram ao local 210 pessoas - o número foi fornecido pelo Novo Recife e confirmado pela Prefeitura. A apresentação levou cerca de 20 minutos e, ao término, integrantes do movimento Ocupe Estelita vaiaram e ergueram cartazes, reclamando do projeto e do processo conduzido pela Prefeitura para redesenho. Ao abrir para os posicionamentos, o primeiro a falar foi Jorge Roma, representante do Sindicato dos Urbanitários. Defendendo o projeto, ele foi vaiado e interrompido, chegando a discutir brevemente com alguns integrantes do movimento. Na plateia, algumas pessoas indicavam que ele estava ultrapassando o horário. A cada defesa do projeto, mais vaias.
Antônio Alexandre precisou interromper e cortar o microfone, explicando que o tempo a mais dado nas falas de algumas pessoas era devido às interrupções. “As mesmas pessoas que estão cobrando o respeito ao tempo de fala são as que estão interrompendo a fala dele. Estamos em uma audiência pública e não se pode esperar que todos tenham a mesma opinião”, aponta o secretário.
Representante do grupo Direitos Urbanos, que integra o movimento Ocupe Estelita, o professor Lucas Alves explica que, do ponto de vista do movimento, o redesenho é "ilegítimo a partir do que a gente reinvidica". "Ele não contempla as reinvindicações da população em termos de urbanismo, mas acima de tudo a gente pede é um processo de participação popular, onde todas as entidades públicas e privadas participem da discussão para saber o que vai ser aquilo ali", aponta Alves.
Ele lembra ainda que a questão da habitação e a revitalização do centro histórico ainda têm de ser abordada com mais clareza. "A gente não tem como ratificar um redesenho desse, que além de a gente entender que é danoso urbanisticamente, socialmente e em vários pontos a ilegalidade, o processo é cheio de ilegalidades", afirma Alves, recordando os processos que correm no Ministério Público Federal sobre a venda da área.
O redesenho apontou o uso de um espaço do pátio operacional da Rede Ferroviária Federal, que ainda está em uso, e consequentemente não existe, lembra o professor. "O pátio ferroviário, enquanto estiver funcionando, aquela área tem que continuar murada. A decisão é em nível ministerial, que depende de política pública. Aquela é uma ferrovia que desenvolveu as cidades da Zona da Mata Sul, é a segunda ferrovia do Brasil, a primeira que ligou o interior", lembra.

O projeto
O secretário aponta que a audiência é voltada para apresentação das mudanças feitas pelo Consórcio Novo Recife, a partir das diretrizes elaboradas pela Prefeitura do Recife. “Essas diretrizes foram resultado de um trabalho desenvolvido a partir de outra audiência pública e mais cerca de 300 sugestões que chegaram depois. Após essas diretrizes, o consórcio e sua equipe técnica fizeram as alterações apresentadas aqui”, afirma o secretário.
A apresentação do redesenho do projeto foi feita pelos técnicos do Consórcio Novo Recife, que destacaram as novas vias, como a ampliação da Avenida Dantas Barreto e a derrubada do viaduto do Forte das Cinco Pontas, e principalmente o aumento da área voltada para o uso público. “Temos a inversão da relação público-privada. A Lei federal prevê que nesses processos tem que deixar 35% para área pública, usando 65% para as áreas privadas. O novo desenho do projeto inverte essa relação, com 65% da área de uso público”, aponta o arquiteto Jerônimo da Cunha Lima.
Jerônimo lembrou ainda que havia um vazio naquela área e que a expectativa é atrair pessoas para moraram ali, assim com serviços e negócios. “A gente tem muitas barreiras hoje, como os muros da Rede Ferroviária, nossa ideia é derrubar e permitir a permeabilidade e fluxos no território”, aponta Lima. Ainda de acordo com o plano das construtoras, haverá ampliação no Parque das Cinco Pontas, com demolição do Viaduto do Forte das Cinco Pontas, além da construção de um café, livraria e centro de artesanato nas três casas do terreno. Os dois silos (antigos tanques de melaço) que ficam no local serão ocupados por uma biblioteca e um espaço cultural; a oficina eletrotécnica será transformada em anfiteatro. O valor das medidas de mitigação não foi alterado, e elas permanecem orçadas em R$ 62,750 milhões.

Após a audiência pública, o Consórcio Novo Recife precisa entregar um projeto formal à Prefeitura, que vai analisar se ele está de acordo com as diretrizes apresentadas. Em seguida, a Prefeitura elabora um Plano Específico de Ocupação da área do Cais José Estelita, Cais de Santa Rita e Cabanga, que é um projeto de lei que orienta as obras no local e precisa ser aprovado também pela Câmara dos Vereadores. Só após aprovação desse plano na Câmara dos Vereadores é que o processo de construção pode começar.
A primeira audiência pública para apresentação do redesenho havia sido suspensa no dia 6 de novembro por ordem da juíza Mariza Borges, da 3ª vara da Fazenda Pública, alegando que a gestão municipal não teria respeitado o tempo mínimo de 15 dias entre a convocação e o evento, previsto em lei.
O redesenho do projeto já havia sido apresentado a jornalistas no dia anterior à primeira audiência pública. Segundo a proposta do consórcio, do espaço total do terreno (101,7 mil metros quadrados), 65% terão ocupação pública e 35% de ocupação privada, com áreas destinadas para comércio, hotelaria, moradias populares, residenciais e áreas de esportes, espaço cultural e lazer. O projeto inicial previa que 45% do terreno fosse área pública e 55%, privada. Dentro da área pública, 10,6 mil m² serão para uso comercial e de serviços.
O número de andares dos prédios mais altos foi também alterado. Os 13 prédios terão de 12 a 38 andares e vão de 42 a 137 metros de gabarito. Em relação à altura dos edfifícios, o projeto aprovado anteriormente tinha prédios de até 140 metros de gabarito (cerca de 40 andares), em toda a extensão. Dez dos edifícios serão residenciais, com 1.042 unidades habitacionais; outro será um empresarial; mais um de uso misto (empresarial e flat) e, por fim, um hotel com 308 leitos.
Cancelamento
A decisão da Justiça de cancelar a primeira audiência foi anunciada no mesmo dia em que o Movimento Ocupe Estelita havia convocado a imprensa para anunciar que havia entrado com representação junto ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) contra a Prefeitura do Recife para anular o edital de convocação. O grupo acusou a gestão de desrespeitar a Lei Municipal 16.745, que prevê a convocação de audiência com pelo menos 15 dias de antecedência e ainda a disponibilização à população do material a ser descutido no encontro.
Procurada pelo G1 na ocasião, a Prefeitura do Recife informou que a audiência tinha como objetivo promover uma primeira apresentação pública das adequações do projeto às diretrizes urbanísticas estabelecidas pela prefeitura e que "não havia material prévio a ser disponibilizado como acontece nas audiências públicas vinculadas a processos administrativos regulamentados em lei específica".
Histórico
Em 2012, quando o projeto do Novo Recife ganhou corpo e veio a público, os ativistas recifenses promoveram a primeira edição do Ocupe Estelita, inspirados pelo movimento “Occupy Wall Street”. A ideia era realizar atividades culturais na área do Cais, para que a população conhecesse esse terreno tão estrategicamente localizado, mas abandonado há muito tempo. Desde então, o local foi palco de shows, aulas públicas e atividades de lazer, além de diversas manifestações e conflitos.
Desde que o projeto foi criado, em 2012, provoca polêmica e é discutido judicialmente. Cinco ações tramitam questionando o Novo Recife: uma civil pública do Ministério Público estadual, uma do Ministério Público federal e três ações populares. As ações populares pedem a nulidade do ato administrativo do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU), que aprovou a proposta imobiliária, no fim de 2012.
O Novo Recife afirma que o projeto foi muito estudado, respeita os parâmetros legais do estado, do município, e cumpre a lei. Durante o processo de negociação realizado no primeiro semestre deste ano, o grupo de construtoras disse estar de acordo em fazer um redesenho do projeto. Segundo eles, o desenho da obra imobiliária prevista para o Cais foi concebido a partir de informações coletadas desde 1970 e foi elaborado por três arquitetos.
Portal G1