sábado, 17 de fevereiro de 2018

Intervenção Federal no Rio: o que acontece no Brasil?

A intervenção federal no Rio de Janeiro, anunciada pelo presidente Michel Temer, tem aspectos passíveis de questionamentos, afirmam professores consultados pela Agência Brasil. De acordo com o presidente Temer, a medida foi adotada pela necessidade de combate ao crime organizado.

A Constituição prevê o instituto da intervenção federal como medida excepcional em casos de manutenção da integridade nacional, enfrentamento de invasão estrangeira e encerramento de “grave comprometimento da ordem pública”, como lista o Artigo 34.

O decreto do Executivo, que usa como justificativa o terceiro motivo, define o cargo de interventor como de natureza militar e indica entre as atribuições tomar “ações necessárias à segurança pública” previstas na Constituição do estado, assumindo o controle operacional dos órgãos do setor (como as polícias) e podendo requisitar “os meios necessários para a consecução da intervenção”, conforme o Artigo 3º, Parágrafo 3º.

Constitucionalidade - A maioria dos acadêmicos ouvidos pela Agência Brasil não encontrou inconstitucionalidade no decreto. Contudo, na avaliação de Eloísa Machado, professora de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, o texto viola a Carta Magna ao determinar uma “natureza militar” para o interventor. De acordo com Eloísa, não há problemas na ocupação do posto por um general, mas o decreto vai além, ao delimitar a natureza do posto.

“A intervenção é a substituição de uma autoridade civil estadual por outra autoridade civil federal. O interventor toma atos de governo, que só podem ser praticados por autoridades civis. O problema está no decreto conferir esse caráter militar. A consequência prática é que você tem submissão desses atos tomados no momento da intervenção à Justiça Militar, e não à Justiça Civil. É uma proteção inconstitucional”, afirma a professora.

Vigência - O Artigo 5º introduz outra polêmica, ao afirmar a entrada em vigência na data da publicação, 16 de fevereiro. Segundo o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Enzo Bello, a validade só existiria após a aprovação pelo Congresso Nacional. O Artigo 49 da Constituição diz que a intervenção é “competência exclusiva” do Parlamento Federal. Já o Artigo 36 determina que o decreto seja enviado ao Congresso em até 24 horas.

“O presidente não pode editar esse decreto sem que ele seja apreciado pelo Congresso. A redação não coloca isso explicitamente. Se o Congresso não votar a norma, a vigência fica prejudicada”, argumenta Bello.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que vai reformular a pauta da Casa para para que a votação do decreto ocorra no início da semana que vem.

Reforma da Previdência - Outra controvérsia jurídica diz respeito à votação proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma da Previdência. O Artigo 60 da Constituição Federal veta qualquer emenda à Carta Magna, como é o caso da PEC da Reforma, em caso de intervenção.

O presidente Michel Temer informou que irá cessar o decreto quando houver avaliação das Casas Legislativas de que há condições para realizar a apreciação da proposta.

O ministro da defesa, Raul Jungmann, disse que, nesta situação, haveria a revogação do decreto, o uso de uma operação de garantia da lei e ordem (GLO) e a edição de um novo decreto após a análise da proposta pelo Congresso.

No entanto, afirma o professor de direito constitucional e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade de Brasília Alexandre Bernardino Costa, esse procedimento traz um imbróglio jurídico. “Por que a Constituição prevê suspender alterações nela própria? Porque a situação na intervenção é grave. Se suspender, você mexe na Constituição contra a própria constitucionalidade. Cabe inclusive questionamento no Supremo Tribunal Federal.”

Crimes militares - A lei aprovada pelo congresso e sancionada no ano passado por Michel Temer, torna a intervenção militar no estado do Rio de Janeiro, um cenário mais dramático do que se imagina. A lei oriunda da PLC 44/2016, altera o foro de crimes cometidos por soldados da Polícia do Exército (PE), para serem julgados pela justiça militar, como na época do Regime Militar.

Com todo o cenário de deterioração progressiva da democracia, o que ocorrerá no Rio de Janeiro, tem tudo para se tornar um massacre de comunidades pobres, com direito a julgamento militar e absolvições absurdas nas juntas militares. A própria lei, em si, corrobora para a tese de que não houve uma tomada do poder definitiva, na busca do totalitarismo de forma repentina, por falta de conjuntura favorável mas, sim, um “fechamento lento e gradual” da democracia.

Mesmo que tudo isso pareça mais uma teoria da conspiração, vivemos tempos em que as “teorias” antes ridicularizadas, estão sendo superadas com facilidade pela realidade imposta pelos fatos, após o golpe de 2016. É importante frisar, que em São Paulo, essa mesma lei já vinha sendo usada pela Polícia Militar, como forma de burlar os julgamentos em foro civil

Repercussão Internacional - Com ampla repercussão internacional, a intervenção militar no Rio de Janeiro é vista com desconfiança por numerosos veículos de comunicação estrangeiros. Além da preocupação com o passado autoritário do País, muitas publicações, a exemplo do jornal norte-americano New York Times, da agência Bloomberg e do diário francês Le Monde, enxergam na medida uma desculpa do governo Temer para não colocar em votação a impopular reforma da Previdência, aparentemente fadada ao fracasso.

O New York Times enfatizou que esta é a primeira intervenção federal em um estado desde o retorno da democracia no Brasil, nos anos 1980. Para muitos, acrescenta o jornal dos Estados Unidos, a decisão é vista como uma iniciativa do presidente Michel Temer “para melhorar os seus índices de aprovação, ​​e não como uma medida para combater o crime”.

Na avaliação do NYT, o decreto representa não apenas o endurecimento das ações contra a criminalidade, mas também o atraso da votação de uma “impopular proposta legislativa” de reforma do sistema de aposentadorias, “cada vez mais condenada ao fracasso”.

O Wall Street Journal deu destaque à onda de violência no Rio, e registrou que os homicídios no estado cresceram 37% em três anos. "O número de crimes violentos aumentou em meio a uma crise fiscal no governo do estado e a uma grande recessão no setor de petróleo", diz o diário.

A Bloomberg afirma que o movimento é uma resposta às demandas crescentes perto das eleições pelo combate ao crime e à violência. "Também pode oferecer uma desculpa para não votar a impopular reforma da previdência, pois as mudanças na Constituição não podem ser feitas enquanto uma intervenção militar está em vigor", afirma a agência.

Um dos mais relevantes diários da França, o Le Monde destacou que, em 2017, o Rio registrou 6.731 mortes violentas, duas a cada três horas. “Todos os dias, os jornais brasileiros relatam os absurdos tiroteios e tragédias de famílias atingidas por balas perdidas ou vítimas de agressão”.

Embora reconheça a gravidade da crise de segurança, a publicação francesa não deixou de registrar que muitos veem a decisão de intervir no Rio como “uma manobra visando apagar a incapacidade do governo de votar a reforma da Previdência, um elemento crucial” para a gestão Temer.

O Le Monde demonstrou ainda preocupação com o passado autoritário do Brasil. “Em um país no qual a memória da ditadura militar (1964-1985) permanece nas mentes, essa demonstração de firmeza também faz tremer”, diz a reportagem, antes de observar que Temer chegou a ser comparado, nas redes sociais, com o marechal Castelo Branco, “principal arquiteto do golpe de Estado de 1964”.

Um dos primeiros veículos da Europa a noticiar a intervenção no Rio, o jornal britânico The Guardian explicou que a decisão é inédita, pois pela primeira vez desde a redemocratização as Forças Armadas assumirão o controle de todas as operações de segurança de um estado, além de comandar as distintas corporações policiais.

“Intervenção militar é um assunto delicado para muitos brasileiros, embora simpatizantes de extrema direita apoiem cada vez mais um retorno a um governo militar”, afirma o diário do Reino Unido. O Guardian relatou ainda o receio de moradores de favelas, que “temem o policiamento a cargo de soldados sem treinamento para isso”.

Com informações da Agência Brasil, A Postagem (Fábio St.Rios) e Carta Capital