Kim Nahuel, um talentoso músico argentino que vive na Itália, abriu as portas
de seu universo criativo em uma entrevista exclusiva concedida ao Blog Taís
Paranhos, revelando a profundidade de suas influências, a singularidade de seu
processo de composição e seus ambiciosos projetos. Desde cedo, Kim Nahuel foi
imerso na música argentina, através de sua família de músicos e da rica cultura
de Buenos Aires, onde nasceu. No entanto, foi a música brasileira que, mais
tarde, o cativou profundamente.
Ao começar a compor, ele encontrou uma empatia com a escrita
poética de Chico Buarque e Vinicius de Moraes, admirando a beleza e perfeição
de suas letras. Musicalmente, a riqueza harmônica, melódica e rítmica de
estilos como o choro, o samba e a bossa nova fizeram da música brasileira, para
ele, "perfeita", não lhe faltando nada. A mistura de inteligência
musical com a leveza e alegria, muitas vezes acompanhada de um fundo social e
crítico nas letras, inspira-o constantemente.
Seu álbum "Decantado" é um testemunho de sua
independência e paixão, produzido integralmente por ele, desde a composição e
arranjos até a gravação de cada instrumento, edição, masterização e publicação,
incluindo fotos e vídeos. Ele explica que, após anos trabalhando com outros
músicos, optou por uma produção solo para apresentar uma "visão estética
pura", sem as "contaminações" de múltiplas propostas. Contou, no
entanto, com a colaboração vocal de seus irmãos, Jeremías e Agustín, e da amiga
cantora Margarita Labossi, que também assina a letra de "Canción
Primera".
Além de seu trabalho solo, Kim Nahuel mantém fortes laços
musicais com sua família. Ele é parte fundamental de dois projetos:
"Surrealistas", um octeto criado por seu irmão Jeremías há cerca de
10 anos, com quem já gravou quatro álbuns e realiza concertos na Itália e
internacionalmente; e "Sin Edades", um projeto mais recente liderado
por seu irmão Agustín e Erika Bosque. Kim Nahuel já acumula cerca de 10 anos
tocando com os Surrealistas e cerca de um ano e meio com o Sin Edades. Essa
experiência o marcou e o ensinou muito, especialmente no que diz respeito a
estar no palco em apresentações ao vivo.
Kim Nahuel revela um desejo de experimentar outros estilos
musicais, como o jazz e outros gêneros da música afro-americana, que o
acompanham desde a infância. Começou a tocar saxofone, seu instrumento
principal, aos 10 anos, e teve um contato precoce com o jazz e o blues. Embora
admire artistas que têm a coragem de misturar livremente, ele ainda não se
aventura nesses gêneros do ponto de vista da composição, mas almeja que essa
seja sua próxima meta.
Seu processo de composição é majoritariamente inconsciente e
melódico, com melodias surgindo em sua mente em momentos inesperados. A letra,
então, é adaptada à melodia inicial. Uma das histórias mais fascinantes por
trás de suas canções é a de "Corazón, que me haces daño". A melodia
surgiu em um sonho envolvendo seu pai, e a letra, que contava uma história
fictícia sobre um homem que ia parar na prisão por roubar um casaco, revelou-se
assustadoramente real quando seu pai confessou ter vivido uma situação semelhante
na juventude, tornando a experiência "maravilhosa e mágica".
Vivendo há mais de 20 anos fora da Argentina, Kim Nahuel não
está tão conectado com a cena independente local. Sua mudança para a Itália em
2001 foi uma decisão de seus pais, que buscaram um mundo mais tranquilo e
seguro após a crise econômica na Argentina, já que possuíam passaporte
italiano. Eles almejavam um lugar onde pudessem "projetar" e
"crescer", em busca de estabilidade econômica e social.
Atualmente, Kim Nahuel sente a necessidade de expandir seus
horizontes para além do território italiano, já que escreve canções em espanhol
e o público italiano nem sempre compreende o conteúdo das letras ou a
profundidade da música sul-americana. Ele almeja viajar e fazer turnês na
Espanha ou na América do Sul, onde sua música e letras possam ser mais
plenamente compreendidas.
Para os jovens músicos, Kim Nahuel tem um conselho
essencial: que "se divirtam e estudem divertindo-se". Ele enfatiza a
importância de encontrar prazer até mesmo em exercícios técnicos e no solfejo,
pois a diversão é a verdadeira motivação para o estudo e a memorização. Além
disso, destaca o "tesouro" que a internet representa, com sua vasta
oferta de tutoriais e aulas gratuitas, e a necessidade de valorizar esse
recurso para estudar ao máximo. Seu sonho maior é tocar no Brasil e viajar o
máximo possível, acreditando que está crescendo "lentamente, sem nenhum
apuro", e explorando os terrenos interessados em sua música. Embora
considere cedo para planejar uma turnê na América do Sul, ele mantém o sonho
vivo.
Vamos desvendar mais esse artista?
Você tem fortes influências da música brasileira e argentina. Como essas duas culturas musicais influenciaram seu estilo?
A música argentina sempre esteve presente na minha vida,
desde casa, através da minha família, que é composta por músicos. Ela também
veio da minha cidade, Buenos Aires, da escola e da própria cultura. Já a música
brasileira surgiu mais tarde, quando comecei a escrever canções. Ao criar
letras, passei a me identificar com a forma de escrita de Chico Buarque e
Vinicius de Moraes, cujos poemas são perfeitos—inalcançáveis em termos de
beleza e técnica—mas tentei me aproximar dessa mentalidade positiva.
Musicalmente, a música brasileira é muito completa.
Possui uma grande riqueza harmônica e melódica, seja na música chorinho, no
samba ou na bossa nova. Além disso, tem uma profundidade rítmica que a torna,
para mim, uma música perfeita, pois não lhe falta nada. E como se não bastasse,
muitas de suas letras carregam um fundo social e crítico, ao mesmo tempo em que
mantêm uma leveza e alegria.
Esse equilíbrio entre riqueza musical, inteligência,
leveza e alegria é o que faz da música brasileira algo único e perfeito para
mim. Foi isso que me inspirou profundamente.
Decantado foi um projeto muito pessoal, já que você gravou e produziu tudo sozinho. Como foi essa experiência?
Sim, “Decantado” é um álbum que produzi de forma
independente, sem ajuda de ninguém, exceto pelos participantes nas faixas
cantadas: meus irmãos, Jeremías e Agustín, e minha amiga, a cantora Margarita
la Bossi, que também escreveu a letra da música que interpreta, “Cansó un
Primera”.
O álbum foi completamente realizado por mim em todas as
suas etapas—desde a composição das letras e músicas até os arranjos, gravação
de cada instrumento, edição do som, masterização e publicação. Também cuidei
das fotos, dos vídeos e de tudo o que é necessário para divulgar um trabalho
musical. Normalmente, esse processo envolve muitas pessoas especializadas, mas
eu fiz tudo sozinho porque é minha paixão e porque tenho os meios para realizar
isso.
Trabalhar com outros músicos tem muitas vantagens, já que
não se precisa cuidar de tudo sozinho. Porém, há momentos em que é necessário
aceitar compromissos e decisões que talvez não sejam as melhores para a música
em si. Depois de anos colaborando com outros artistas, decidi produzir este
álbum sozinho, pois tenho as habilidades para fazê-lo e queria apresentar uma
visão estética pura—sem interferências externas, com uma identidade única e bem
definida.
Como surgiu sua parceria com grupos como Sinedades e SuRealistas? O que mais te atraiu no som deles?
Minha parceria com os grupos SuRealistas e Sinedades
é, antes de tudo, uma aliança familiar, pois em ambos os projetos meus irmãos
estão envolvidos. SuRealistas foi criado há cerca de 10 anos pelo meu
irmão Jeremías, e ao longo do tempo fomos incorporando novos integrantes até
consolidarmos a formação definitiva como um octeto. Com essa formação, gravamos
quatro álbuns e realizamos shows tanto na Itália quanto fora do país. Já Sinedades
é um projeto mais recente—pelo menos para mim, pois participo há menos tempo—e
é liderado pelo meu irmão Agustín e por Erika Bosque.
Seu som é marcado por uma fusão de gêneros. Existe algum estilo que você ainda sonha em explorar?
Sim, há muitos estilos musicais que eu gostaria de
explorar. Talvez ainda não o faça porque tenho essa ideia de que um músico ou
artista precisa manter um público ideal e misturar muitos gêneros pode não ser
produtivo. Mas acredito que essa ideia esteja equivocada e que o mais
importante seja ser sincero com o que me move e me inspira.
Existem muitos estilos, como o jazz e outros gêneros da
música afro-americana, que sinto que fazem parte de mim, pois os ouço desde
pequeno. Comecei a tocar saxofone aos 10 anos, e esse instrumento seria o meu
principal. Desde cedo, aproximei-me do jazz e do blues ao vivo, o que definiu
minha identidade musical. No entanto, ainda não tive coragem de experimentar
esses estilos do ponto de vista da composição.
Admiro muito os artistas que têm a coragem de criar sem
limites e explorar todas as possibilidades. Esse é um objetivo que gostaria de
alcançar em minha trajetória musical.
Qual é o seu processo de composição? A melodia vem antes da letra ou vice-versa?
Meu processo de composição sempre começa pela melodia. É
um processo muito intuitivo, pois a melodia surge na minha mente em momentos
inesperados, quando não estou pensando em compor. Às vezes, estou realizando
uma tarefa cotidiana em casa e, de repente, uma melodia começa a ressoar na
minha cabeça. E assim começo a escrever.
Há vezes em que essas melodias não se transformam em
músicas completas. Em outras, escrevo uma letra, mas ela não me convence.
Algumas melodias evoluem para a fase de escrita da letra, que me agrada, e
então gravo a música—mas ainda assim os arranjos podem não me satisfazer. E
existem momentos em que tudo se encaixa perfeitamente e a música acaba entrando
no álbum.
Mas, independentemente do caminho que cada composição
segue, o processo sempre parte da melodia, e meu objetivo é adaptar a letra
para se harmonizar com a essência inicial da música.
Há alguma história ou experiência que inspirou fortemente
alguma de suas músicas?
Sim, há muitas histórias, mas a que mais me marcou foi a
de uma música chamada "Corazón, que me haces daño". Essa canção
nasceu de um sonho—nele, meu pai estava presente, e a melodia me encantava. Ao
acordar, aquela melodia ainda ressoava na minha mente, então comecei a escrever
uma letra, inventando a história de um homem desafortunado que acabou na prisão
por roubar um casaco.
Normalmente, não crio histórias fictícias; minhas
composições são baseadas em experiências pessoais. No entanto, essa foi
diferente. Quando mostrei a música ao meu pai, ele me revelou algo
surpreendente: ele havia vivido exatamente essa história quando tinha a minha
idade. Anos atrás, ajudou um homem que foi preso por roubar um casaco.
De alguma forma inexplicável, meu pai me transmitiu essa
história por meio de um sonho, junto com a melodia. Nunca havia me contado esse
relato antes, e eu não conhecia nada sobre ele. Foi um momento mágico e
especial, como se a música tivesse atravessado gerações para finalmente ser
escrita.
Como você vê a cena musical independente na Argentina hoje? Existem desafios específicos?
Eu não estou muito conectado à cena musical independente
na Argentina, pois já faz mais de 20 anos que não vivo no país. O que chega até
mim são artistas que, de alguma forma, conseguem alcançar o público
internacional.
Gosto muito do grupo Catriel e Paco Amoroso, que está
ganhando bastante reconhecimento. Eles são músicos de altíssima qualidade e
ousam criar algo sofisticado, sem perder a acessibilidade e o apelo popular.
Quando encontro artistas que são sinceros consigo mesmos, sinto esperança, pois
percebo que também posso me arriscar a fazer algo autêntico e, ao mesmo tempo,
alcançar um público real.
Acredito que hoje existe um certo receio entre os
músicos, e a balança muitas vezes oscila entre a música mais acadêmica, que
exige estudo formal, e a música comercial. Mas há artistas que conseguem
transitar por ambos os territórios e criar algo extraordinário—como esse grupo.
Quais artistas te influenciam atualmente? Algum nome novo que te entusiasme?
Muitos artistas me influenciam, e nem sempre são músicos
da atualidade. Minha inspiração vem principalmente do passado—desde a música
clássica do século XIX até o jazz do início do século XX, passando pelo rock
dos anos 60 e pela vasta cena da música afro-americana dos anos 70.
De fato, são os artistas do passado, aqueles que já não
estão vivos, que mais moldam meu som. Mas, claro, ainda há talentos incríveis
surgindo hoje. Um deles é Sequé, integrante do grupo Valadez. Também admiro Jacob
Collier, um músico que aprecio por sua liberdade artística e capacidade de
explorar todas as possibilidades sonoras.
No universo mais tradicional, gosto muito de Silvia Pérez
Cruz, uma cantora e compositora que admiro profundamente. Jorge Drexler também
me fascina—sua habilidade de escrever letras impecáveis e encontrar formas
originais de contar histórias é única.
Se pudesse colaborar com qualquer músico, vivo ou morto, quem seria e por quê?
Poder colaborar com Jorge Drexler seria incrível, pois,
como já mencionei, ele é um músico que admiro profundamente. Mas também ficaria
imensamente feliz em tocar ao lado de Chico Buarque, um verdadeiro gênio da
música brasileira. Ou quem sabe, até mesmo com algum dos filhos de Caetano
Veloso—por que não?
Na verdade, eu sonho todos os dias em estar ao lado de
pessoas que admiro. Não sei se um dia isso vai acontecer, mas sigo sonhando, e
acredito que esse desejo me acompanhará para sempre.
Para aqueles que estão começando na música, que conselho você daria?
Aos jovens músicos, meu conselho é que se divirtam
enquanto estudam. Acho isso essencial—nunca aprendi música de forma entediante.
Mesmo nos exercícios técnicos ou no estudo do solfejo, é importante encontrar
maneiras de tornar o aprendizado prazeroso. Sem diversão, falta motivação real,
e o estudo se torna menos eficiente. A gente memoriza muito melhor quando algo
nos interessa e nos diverte. Se o estudo for apenas uma obrigação, tudo fica
mais difícil.
Também recomendo que não percam tempo e aproveitem ao
máximo os recursos disponíveis na internet. Hoje é possível aprender muito
sobre estilos musicais e ritmos online. Eu mesmo aprendi a tocar alguns dos
instrumentos do álbum assistindo a tutoriais no YouTube. Há muitos mestres
oferecendo aulas gratuitas, e isso é um verdadeiro tesouro que nem sempre
recebe o devido valor. O importante é reconhecer o potencial da internet e
estudar o máximo possível.
Como foi a decisão de se mudar para Livorno, Itália? O que te atraiu na cena musical de lá?
A decisão foi dos meus pais. Em 2001, após a crise
econômica na Argentina, eles começaram a considerar a ideia de viver na Itália,
já que tínhamos passaporte italiano. Minha família tem raízes na Itália—os avós
da minha mãe são de Bari, no sul do país. Assim que surgiu a oportunidade,
deixamos a Argentina em busca de um lugar mais tranquilo e seguro, onde fosse
possível planejar um futuro e crescer.
A sensação na Argentina era de que era muito difícil
construir uma vida estável. Hoje, mais de vinte anos depois, o país ainda
enfrenta desafios. O que encontramos na Europa foi um solo mais seguro e uma
estabilidade econômica e social que nos permitiu seguir em frente.
Seu álbum Decantado foi lançado enquanto você
estava na Itália. Como o ambiente e a cultura italiana influenciaram essa obra?
Acho que estou começando a sentir a necessidade de
expandir meus horizontes. No momento, minha meta não está tão voltada para o
território italiano. Escrevo canções em espanhol, e embora os italianos
apreciem o idioma, nem sempre compreendem completamente o conteúdo das letras.
Por isso, sinto vontade de viajar, tocar na Espanha ou na
América do Sul, fazer uma turnê musical em um ambiente que esteja mais alinhado
com minha linguagem e possa entender minha música não apenas pelas letras, mas
também pelo seu contexto sonoro.
O público italiano, de maneira geral, não tem tanto
contato com a música brasileira ou argentina. Claro, alguns conhecem artistas
como Mercedes Sosa e Caetano Veloso, mas, no geral, é um som que não chega
diretamente à alma deles.
Minha intenção agora é crescer, levar minha música para
novos territórios e tocar fora da Itália.
Há alguma diferença marcante entre o público italiano e o público argentino ou brasileiro na recepção da sua música?
Tenho o sonho de tocar no Brasil e viajar o máximo
possível. Mas tudo acontece aos poucos—sinto que estou crescendo lentamente,
sem pressa, explorando quais territórios poderiam se interessar pela minha
música.
Também percebo que estou sozinho na divulgação do meu
trabalho, então preciso confiar na minha própria percepção enquanto público
conteúdo nos meus canais. Pensar em uma turnê pela América do Sul ainda parece
prematuro, mas os sonhos nunca acabam, e adoraria estar por lá algum dia.
Espero que esse momento chegue!