quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

#Entrevista Sofia Manzano: "Eu trabalho para levar nossa pré-candidatura ao Segundo Turno"

 

A professora universitária e escritora Sofia Manzano, de 50 anos, é nascida em São Paulo, mas vive em Vitória da Conquista, a 518 km de Salvador. Ela integra o Partido Comunista Brasileiro desde 1989 e foi candidata do "partidão" à vice-presidência da República em 2018 (o presidenciável foi Mauro lasi). Ela foi anunciada pelo PCB na semana passada  como pré-candidata à Presidência da República e o Partido Comunista também pretende lançar nomes nos estados, a exemplo de Pernambuco, que tem como pré-candidato a governador o professor e youtuber Jones Manoel. Nesta entrevista, Manzano fala das propostas do partido, de nomes inspiradores,  do "fantasma do comunismo", do centralismo democrático, dos desafios de chegar à população, da possibilidade de alianças com partidos do mesmo espectro politico, como PSol, PSTU e UP. Quando questionada quem apoiaria no segundo turno, ela é taxativa: "Eu trabalho, na dinâmica eleitoral, mesmo com a brutal desigualdade de recursos, para levar nossa pré-candidatura ao Segundo Turno.". Vamos conhecer a pré-candidata, que conversou com o blog e respondeu às perguntas com tranquilidade.

1) O que a fez decidir se candidatar à Presidência da República?
No PCB, o meu partido, um processo de decisão como essa não passa por uma escolha individual. Nós debatemos internamente e decidimos coletivamente. E a nossa resolução unânime foi de lançar a minha pré-candidatura à presidência da república. Levamos em consideração a necessidade de trazer para o espaço público as ideias e as lutas que o PCB projeta para o Brasil, especialmente, para a classe trabalhadora. Pessoalmente, eu assumo essa pré-candidatura como uma tarefa, como alguém que pode falar em nome de todo o coletivo partidário.
Eu milito no PCB desde 1989, desde muito jovem. Já passamos por vários momentos de enfrentamentos, desde as lutas mais gerais das e dos trabalhadores (as), quanto nos períodos eleitorais. Em 2014 eu fui a candidata a vice-presidente na chapa que teve Mauro Iasi como candidato a Presidente da República. Naquele momento, pudemos trazer à tona uma série de questões muito importantes para o avanço do nosso projeto na luta de classes.

2) Culturalmente, muitos brasileiros temem o comunismo e isso influenciou no Estado Novo e no golpe de 1964. O que é, de fato, o comunismo e, houve alguma possibilidade de haver regime comunista no Brasil?
O comunismo é um modo de organização da vida social em que não haja exploração sobre nenhum ser humano. Quero dizer, é uma sociedade em que não haja ricos e pobres, proprietários e proletários, em suma, que não existam diferentes classes sociais, pois as classes sociais significam grupos que se dividem entre, de um lado, um pequeno número de pessoas que enriquece brutalmente explorando a classe trabalhadora, e de outro, um número cada vez maior de pessoas exploradas ou até mesmo sem condições mínimas de existência.
Nesse sentido, o comunismo nunca existiu, ainda. O que existe são experiências socialistas que caminham, de diversas formas, para a superação do capitalismo e da exploração, na perspectiva da construção de uma sociedade comunista.
Agora, como o comunismo propõe o fim da exploração, os capitalistas e seus defensores fazem uma campanha anticomunista permanente. Essa campanha acaba por criar, no senso comum da população, uma ideia completamente equivocada do que pode vir a ser o comunismo e quais são as pautas e as lutas daqueles que o defendem.
Como você expressou, todas as vezes em que a classe trabalhadora avança em sua luta contra a burguesia no Brasil, essa classe exploradora se utiliza dos meios mais brutais para não perder o poder e seu domínio. Tanto no Estado Novo quanto na Ditadura Militar de 1964, os regimes ditatoriais foram instalados não só para combater os comunistas, mas para impedir qualquer forma de democracia. Isso mostra o quanto a classe dominante no Brasil é autocrática, perversa e brutal contra a classe trabalhadora, especialmente a parcela historicamente mais vulnerável da população, que são as e os negros (as), as mulheres, as e os indígenas e quilombolas, a população LGBT, as e os camponeses (as).

3) Quais as principais propostas que você e o PCB têm para o Brasil, em se tratando de economia, questões sociais, meio ambiente e pautas de costumes?
Nós temos um programa emergencial para o Brasil que começa pela revogação de todas as contrarreformas neoliberais que foram implementadas nos últimos governos. Desde a transformação da Lei de Responsabilidade Fiscal na Lei de Responsabilidade Social; a revogação da Reforma Trabalhista e de todas as modificações retrógradas na CLT desde o governo de FHC, passando pelos governos do PT e, principalmente, após o golpe de 2016, de forma a tornar o mercado de trabalho um ambiente favorável aos trabalhadores; revogação de todas as reformas da previdência, também desde FHC; fim da Lei do teto de gastos; construção de um arcabouço legal e de uma política pública para o meio ambiente que, ao mesmo tempo em que preserve e proteja os recursos naturais, reorganize a distribuição fundiária, a política agrícola e energética para, preservando o meio ambiente, garantir a soberania alimentar, energética e de recursos naturais para o país e sua população, e não para os interesses do grande capital.
Na pauta dos costumes, propomos avançar no combate ao racismo estrutural, a discriminação das mulheres, LGBTs e povos originários, com medidas que ultrapassem o punitivismo. Para isso, medidas específicas que se contrapõem a cada uma destas pautas retrógradas e reacionárias, que se estabeleceram em nosso país com o ascenso da ideologia fascista, serão prioritárias em nossa pré-campanha. A começar, pela luta para a instituição do aborto legal e feito pelo SUS.

4) Dentro das esquerdas há um conflito de pautas para a luta. Parte da militância quer a luta de classes e a outra parte acredita ser fundamental incluir pautas identitárias, como os movimentos feministas, negros e LGBTQIAP+. Qual a sua visão sobre isso e como o PCB lida com esse tipo de conflito.
O PCB e seus coletivos partidários – o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, o Coletivo Negro Minervino de Oliveira, o Coletivo LGBTComunista, além da União da Juventude Comunista e da Unidade Classista – consideram que não há um corte radical entre a questão da luta de classes e as pautas específicas de grupos que são especialmente explorados e discriminados pela sociedade capitalista. O que há são especificidades nas pautas, portanto na forma de luta. No entanto, entendemos que, por mais que essas pautas específicas transcendam o capitalismo, uma vez que elas remontam períodos históricos antigos e, provavelmente ainda permanecerão mesmo com a superação desse sistema, no mundo em que vivemos, o capital hierarquiza essas populações a partir da necessidade de super explorar os diferentes segmentos da classe trabalhadora. Assim, por exemplo, o machismo, que é milenar, pois deriva da constituição do patriarcado, é utilizado pelo capital para remunerar de forma desigual os homens e as mulheres mesmo que em funções iguais, ou ainda, o racismo estrutural que descende do escravismo colonial em nosso país, no capitalismo instituído mantém a maior parte da população brasileira, que são os e as negras, nos estratos mais baixos das condições de existência e como um contingente populacional de reserva para a exploração desenfreada do capital.
Por isso, nós não separamos as lutas e as pautas como se não estivessem indelevelmente ligadas, já que não é possível superar o machismo e o racismo (e todas as formas de opressão) sem considerar a situação de classe da maior parte desses grupos populacionais. Assim como, não é possível construir uma sociedade comunista, em que a igualdade deve ser substantiva e não apenas formal, sem superar definitivamente o machismo e o racismo, bem como todos os tipos de opressão.

5) Atualmente, o nome mais conhecido do PCB no Brasil é o do professor e youtuber Jones Manoel e agora, com sua pré-candidatura, seu nome também será conhecido. Que outros nomes do PCB no Brasil você cita como lideranças?
Nós temos diversos camaradas (essa é a forma pela qual nos tratamos, os e as comunistas) que são reconhecidos em seus locais de atuação, talvez não pela grande mídia e as redes sociais, até porque são lutadores e lutadoras bem mais antigas e atuavam através de outros meios. O professor José Paulo Netto, por exemplo, é um dos maiores marxistas vivos e atuantes, mas não está na disputa eleitoral, ele atua na batalha das ideias, batalha tão importante quanto a disputa política. Mas, em se tratando de disputa eleitoral, nós já temos, até o momento, o lançamento das pré-candidaturas aos governos estaduais, a camarada Renata Regina, em MG; o camarada Gabriel Colombo, em SP e o camarada Jones Manoel, em PE. Logo mais anunciaremos outras pré-candidaturas estaduais.
Além disso, temos já várias pré-candidaturas às esferas legislativas, como as camaradas Luiza Melo e Victória Pinheiro, em Pernambuco.

6) Num eventual segundo turno nas eleições presidenciais, você apoiaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que nas pesquisas ele aparece como favorito?
É muito cedo para tratarmos do segundo turno, pois a campanha eleitoral ainda não começou e, nessa pré-campanha, muita coisa ainda pode mudar. Além disso, como eu disse acima, nós não tomamos decisões individuais, nem eu, nem nenhum pré-candidato ou pré-candidata do PCB está autorizado a apoiar ou deixar de apoiar individualmente qualquer candidatura, nem agora, nem no futuro. Nosso partido trabalha com a ideia do “centralismo democrático”, quer dizer, nós debatemos internamente e, depois de decidido democraticamente pela maioria, a decisão vale para todos e todas as militantes. Será assim que avaliaremos os acontecimentos na esfera da política eleitoral, desde agora até o segundo turno.
Além do mais, eu trabalho, na dinâmica eleitoral, mesmo com a brutal desigualdade de recursos, para levar nossa pré-candidatura ao segundo turno. Nós temos propostas e programa para o Brasil e queremos implementá-las.

7) Muitos partidos estão temendo a cláusula de barreira nas eleições deste ano e estão formando federações e alianças. O PCB pode vir a se aliar com partidos a exemplo de PSTU, UP e PCO?
Até o momento nós não iremos constituir federação com nenhuma legenda. Mas, alianças e constituição da Frente de Esquerda estão sim nas nossas possibilidades. Estamos abertos e no momento oportuno efetuaremos as diversas conversas com as forças políticas do campo da esquerda socialista. Seria importante uma forte unidade desse campo, com um projeto alternativo, que reafirme nossa independência de classe, como fizemos em 2018. Uma frente de esquerda que avance no debate político programático e na disputa eleitoral.

8) Que nomes do PCB a inspiram a continuar em sua militância (nomes históricos e atuais).
O PCB comemora, neste ano, o seu centenário (o PCB foi fundado no dia 25 de março de 1922). São 100 anos de história na luta pela classe trabalhadora brasileira e pelas mais diversas pautas. É uma responsabilidade muito grande escolher alguns nomes, pois tivemos lutadores e lutadoras em todas as áreas, desde as batalhas camponesas, até nos mais altos níveis da ciência. Então eu vou aproveitar esse espaço para destacar algumas mulheres que me inspiram.

Ana Montenegro, que dá nome ao nosso coletivo feminista classista, o CFCAM.

Adalgisa Cavalcanti, a primeira mulher eleita deputada em Pernambuco, lutadora incansável pela causa das mulheres.

Maria Aragão, maranhense, de uma família muito pobre e mãe analfabeta, formou-se em medicina e atuou na saúde da população pobre.

Maria Brandão, baiana, negra, liderança popular na luta por moradia em Salvador.

Nise da Silveira, alagoana, também médica, referência na luta antimanicomial.

Zuleide Faria de Mello, alagoana de nascimento, mas que vive há muitas décadas no Rio de Janeiro e foi nossa dirigente máxima durante muitos anos da Reconstrução Revolucionária do PCB, nos últimos 30 anos.

E, por fim, mas não menos importante, Olga Benário, que dispensa apresentação.

9) Um desafio para a esquerda como um todo é levar sua mensagem e suas propostas para as periferias, que acabaram tendo uma influência muito forte das igrejas, em especial as evangélicas. O que pode ser feito para levar a mensagem de vocês para o povo?
O mais importante é o trabalho de base, quero dizer, um trabalho que envolve tanto a parte de formação política e agitação das pautas da classe trabalhadora, quanto a organização autônoma da população em seus próprios espaços de militância e existência. Nós temos o projeto e a luta para a construção do Poder Popular, que é justamente esse trabalho de, ao mesmo tempo em que desperta na população trabalhadora, o conhecimento para as contradições do sistema capitalista que a faz quase escravizada, propõe a auto organização política, social e econômica, a fim de se constituir em um espaço político efetivo para o processo revolucionário.
Além disso, devemos ocupar todos os espaços de debate para apresentar uma proposta diferente de tudo o que está posto pelos grandes grupos políticos, econômicos e alguns setores religiosos. Uma proposta que tenha o protagonismo e a independência da classe trabalhadora na condução dos destinos do país.

10) Para encerrarmos, conta pra gente sobre a sua trajetória acadêmica, política e de vida.
Eu sou de São Paulo, mas vivo na Bahia. Sou casada e mãe de um filho. Minha formação é na área de economia: sou graduada em Economia pela PUC de São Paulo, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e doutora em História Econômica pela USP. Sou professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), em Vitória da Conquista e autora do livro Economia Política para Trabalhadores. Minha área de pesquisa é sobre mercado de trabalho, desigualdade e o sistema capitalista, na perspectiva teórica do marxismo.
Comecei a militar no PCB em 1989 e estou nessa organização partidária desde então. Nesses anos, já fui presidenta da UJC, a União da Juventude Comunista e faço parte da instância máxima dirigente do partido que é o Comitê Central. Fui candidata a vice-presidente, em 2014, na chapa de Mauro Iasi.
Além de estar nessa pré-campanha eleitoral, minha atuação atual é no movimento sindical, na base do movimento docente que se organiza no Andes-SN.