quarta-feira, 3 de abril de 2024

#VcNoBlog Jean Lima

O QUE NOS UNE

Quando resolvi escrever o livro Espanhol com sabor nordestino, tinha em mente uma coletânea de verbetes colhidos de pesquisa de campo e outras vivenciadas como bom pernambucano. Entendi que ao publicá-lo, levaria a muitos um material de uso contínuo que atenderia à necessidade de curiosos e principalmente professores e alunos estrangeiros e pessoas de outros
estados que se esbarram neste “dialeto” tão variado.
Mas o que realmente me impressionou foi uma viagem a Carpina, cidade do interior de Pernambuco, zona da mata norte onde iria lecionar espanhol a convite da Escola Salesiana Padre Rinaldi, além dos bons amigos que fiz, trouxe a ponta do Iceberg de um novelo linguístico
que parecia não ter fim. 

Viajava todas as terças com um amigo, Genildo Júnior, um excelente professor de física, desses que há pouco no mercado. Passamos várias vezes em Guadalajara, distrito de Paudalho, e ali pude perceber que as pessoas tão simples, na feira, na beira da estrada,
variavam a aspiração do jota ao português e ao espanhol. Imagine então, que um simples homem
interiorano, alguns totalmente iletrados, vivendo em população rural, seria o ponto de partida
para alargar as fronteiras e mergulhar no universo das línguas de Camões e Cervantes.

Alguns estudiosos e especialistas defendem que a primeira língua portuguesa a chegar ao
Brasil está mais conservada no interior do Nordeste. Ora, se os portugueses logo que “descobriram” o Brasil, em 1500, se foram rapidamente, presume-se que há certa lógica histórica.

Eles regressaram apenas em 1534 na implantação das Capitanias Hereditárias. Duarte Coelho, o grande donatário em Pernambuco, certamente falava este português sem adornos, o português arcaico. Esse português que conserva hábitos. Quando apontamos o português arcaico anexamos o castelhano, hoje chamado espanhol, que trataremos mais adiante.
Se as palavras luita, despois são consideradas estranhas ou incultas, talvez grosseiramente chamadas de aberrações, o que dizer quando descobrimos que Luis de Camões, , usou despois no clássico, Os Lusíadas? É de resistir que estas expressões chegaram ao Brasil junto com os colonizadores e foram preservadas até hoje. Troncho não é uma palavra para estar só no dicionário
pernambuquês traduzido como torto, e sim reconhecida como expressão do português medieval.

Escutar o Padre Antonio Vieira no século XVII falar propiadade seria um grande motivo para
discretamente tachá-lo de ignorante, caipira, matuto, iletrado. Este fenômeno se dá no Nordeste porque nestas comunidades o idioma não está submetido à mesma dinâmica dos centros urbanos. Passa-se o tempo e a comunidade nada tem a acrescentar no vocabulário.

Não estou falando das verdadeiras caricaturizações como o personagem Seu Creisson expressando um barbarismo de trocar o /l/ por /r/, porém, pasmem! Trocar as letras L e R, planta por
pranta, por exemplo, também se revela como característica da época. 

Este costume de colocar a letra A na frente dos verbos é só um exemplo, mas encontramos nos textos de Dom Duarte, Rei de Portugal, falecido em 1438 a forma “abastar” no lugar de bastar. Se o árabe empresta
Al – Qa – Tifã é claro que o nordestino aceita como alcatifa e elimina o carpete (tapete). 

Gil Vicente, maior trovador da literatura portuguesa do início do século XVI conhecia o “Arre égua”, interjeição de raiva ou forma de incitar cavalos a andar.
Estes traços do português medieval são preservados no interior e isso ainda se dá dado à dificuldade de acesso à região. Na segunda metade do século XVI, a língua portuguesa ficou exposta a influências do Renascimento, por isso o latim foi o idioma que de alguma forma ‘teve’ que abrilhantar para enriquecer o português. O historiador Evaldo Cabral de Melo diz que
por preconceito religioso, os portugueses se recusavam a aprender o holandês, não queriam falar a língua dos ‘hereges’! Isto nos diz que nem a presença holandesa, em Pernambuco, deixou algum prejuízo à língua.

Jean Lima é escritor e professor de Espanhol