quinta-feira, 19 de junho de 2025

De Nova York ao Recife: como o forró transformou a vida de um músico norte-americano


O pianista, arranjador e professor universitário norte-americano Robert Buonaspina talvez não imaginasse que encontraria no forró nordestino uma nova pulsação para sua trajetória musical. Formado pela Manhattan School of Music, onde teve como mentor o renomado percussionista Rogério Boccato, Robert teve seu primeiro contato com a música brasileira nos corredores da academia. Foi a partir daí que uma curiosidade acadêmica se tornou paixão visceral.

Natural dos Estados Unidos e habituado às estruturas do jazz e da música erudita, Robert encontrou na viola – instrumento que toca desde a infância – uma ponte para se integrar ao grupo Forró Sem Palavras, em Nova York. “Foi ali que vivi o forró de verdade, não só como algo que estudei, mas como algo do qual realmente faço parte”, conta.

Ao viajar para o Nordeste brasileiro, ele se deparou com uma dimensão ainda mais profunda desse universo. O impacto foi imediato: do clima acolhedor ao encantamento com o Recife Antigo, descrito como “uma espécie de Disneyland mais verdadeira, mais humana”. A experiência, marcada por visitas, festas juninas e encontros com mestres da música local, selou um vínculo afetivo com Pernambuco e suas tradições.


O frevo, em especial, deixou marcas profundas. Buonaspina se diz comovido com a forma como a melodia – às vezes alegre na superfície – revela, ao piano, camadas de ternura e sofisticação comparáveis à música de mestres como Rachmaninoff. “A parte B do ‘Elefante de Olinda’, por exemplo, tem uma mudança de clima melódico tão expressiva que me deixa arrepiado. É um nível de elaboração composicional digno de qualquer conservatório europeu.”

Em Nova York, Robert leva Pernambuco ao terraço de seu apartamento, onde organiza festas juninas com trio de forró ao vivo, sanfona, comidas típicas e decoração inspirada na cultura nordestina. “É como se meu apê ‘abrasileirado’ batesse no compasso do Recife”, brinca.

Apesar de reconhecer que o forró ainda enfrenta desafios para ganhar espaço internacionalmente, ele acredita em seu potencial – e em sua função, ainda que modesta, como ponte entre culturas. “Sou só um americano que teve a sorte de viver isso e de querer compartilhar com quem quiser ouvir.”


Grato, emocionado e cada vez mais integrado ao universo que o acolheu, Robert planeja aprofundar ainda mais sua relação com o Brasil: “Seria lindo criar um intercâmbio onde eu pudesse ensinar sobre arranjos para jazz e, ao mesmo tempo, mergulhar ainda mais na música do Nordeste.”

E, à sua maneira, ele já faz isso. Com o coração dividido entre os compassos do jazz e os ritmos de Pernambuco, Robert Buonaspina dança no ritmo do forró — e convida o mundo a dançar junto.

Fotos: Arquivo Pessoal

Vamos conhecer melhor esse apaixonado por Pernambuco?

 Como começou sua relação com o forró e com a música brasileira?  
Minha conexão com o forró começou durante o meu mestrado em composição na Manhattan School of Music. Tive a sorte de ter o Rogério Boccato como mentor, e ele foi quem abriu as portas da música brasileira para mim. Eu sou pianista de formação, mas toco viola desde pequeno, e foi com a viola que entrei para um grupo aqui em Nova York chamado Forró Sem Palavras. Tocar com eles me fez vivenciar o forró de verdade, não só como algo que estudei, mas como algo do qual eu realmente faço parte.

 Quando você descobriu o forró de Pernambuco e o que mais te chamou atenção nesse estilo musical?  
Eu descobri o forró de Pernambuco primeiro nos meus estudos de música brasileira durante o mestrado. Mas isso ganhou um significado muito maior quando viajei ao Nordeste e vivi o forró de perto. O que mais me chamou atenção foi o clima acolhedor, que faz a gente se sentir parte daquilo. Essa conexão ficou ainda mais forte quando comecei a tocar na Forró Sem Palavras, grupo do meu amigo Rafael Piccoloto de Lima aqui em Nova York.

Quais foram as maiores surpresas ou aprendizados ao mergulhar na cultura pernambucana?  
O que mais me surpreendeu ao mergulhar na cultura pernambucana foi como as pessoas são de uma acolhida genuína e calorosa. Quando cheguei ao Recife Antigo e vi a entrada toda iluminada, parecia que eu estava entrando numa espécie de Disneyland: só que mais verdadeira, mais humana🥰. Tinha aquele ar mágico, mas vindo de um patrimônio cultural real, de tradições que são vividas e passadas de geração em geração. Alguns professores já tinham me recomendado ir, e hoje vejo como foi especial ter seguido esse conselho. Depois de ter conhecido Rio e São Paulo, chegar em Pernambuco parecia alcançar um outro nível, visse? E quase como entrar em uma nova camada do paraíso. Por mais que isso soe exagerado, é um jeito hiperbólico que traduz bem o que senti na minha primeira experiência lá, olhando em retrospecto.é organizar uma festa junina em pleno coração de Nova York? Quais reações do público mais te marcaram?  

Você já esteve no Recife. Que memórias guarda dessas visitas?
Minhas memórias mais fortes de Recife estão ligadas a muitos dos seus patrimônios culturais, mas principalmente à música. As melodias, especialmente no frevo, ficaram marcadas em mim de um jeito profundo. As músicas que ouvi foram só uma amostra, uma parte mínima mesmo, do vasto, vasto repertório que ecoa pela cidade. Canções como “Último Regresso” de Almir Rouche, “Elefante de Olinda” de Clídio Nigro, “Quero Mais” de Nena Queiroga, etc etc etc e toda a obra incrível do Alceu Valença são só 1% do que escutei e que, de alguma forma, conseguiram traduzir esse espírito pra mim.

Essas músicas parecem só alegria na superfície, mas quando a gente escuta com atenção, quando isola a melodia no piano, dá pra sentir como são carregadas de ternura, como uma canção de ninar que toca lá no fundo da alma. No frevo, você pode ouvir simultaneamente o triunfo de um povo e a ternura de uma mãe cantando para seu filho (Para minha inócua opinião, pelo menos😅) 

Como professor universitário, eu sempre defendo que a FORMA é um dos grandes elementos que tornam a música bonita. O jeito como a parte B do “Elefante de Olinda” — aquele “Olinda, quero cantar” visse — muda completamente o clima é um exemplo perfeito. É algo pensado com tanto cuidado, com uma melodia tão bem construída que abre espaço pra uma harmonia riquíssima. A construção melódica do frevo não é nenhuma piada, apesar de toda a leveza e alegria que ele passa. O frevo tem uma linha melódica tão séria e tão bem construída pra análise quanto a música dos grandes mestres europeus e russos. Quando penso na melodia de “Elefante de Olinda”, por exemplo, me vem à cabeça Rachmaninoff, de tão rica e cheia de possibilidades que ela é.

 E continuo edificado com a forma como o povo Pernambucano entende isso de uma forma talvez bem diferente dos norte-americanos (talvez?). Tive uma experiência inesquecível no Baile Municipal de Recife este ano, quando ouvi o mestre Spok fazer um solo só no sax da parte B dessa música. Fiquei simplesmente arrebatado. Pra mim, Recife resume o Brasil como um todo: um lugar onde a melodia bonita, a integração com toda a riqueza dos ritmos da diáspora africana e o cuidado com a forma musical são tão bem tratados que fazem parte do dia a dia do povo. Ver o Spok tocar aquilo com tanta beleza e o público aplaudir com tanta emoção só confirmou pra mim que eu não tô maluco😅essa música é realmente vivida e sentida de forma profunda. No detalhe mais simples, música pernambucana é uma joia de beleza sistêmica.

Como seus colegas músicos e alunos norte-americanos recebem o forró e os ritmos brasileiros?  
A forma como meus colegas e alunos aqui nos EUA reagem ao forró e aos ritmos brasileiros varia bastante. Alguns conhecem através de festivais e se encantam logo de cara com a energia e o senso de comunidade. Outros, especialmente no meio do jazz, às vezes acabam enxergando tudo de um jeito mais acadêmico, mais cerebral, buscando profundidade teórica antes de se permitir realmente incorporar a música de forma mais completa e natural. Eu mesmo, admito, já tive essa mentalidade, e hoje sinto até um pouco de vergonha disso. Mas tocar com o Forró Sem Palavras, estudar com o Rogério Boccato e me conectar com os músicos incríveis que o Rogério me apresentou me ajudaram a sair desse jeito de pensar.

Você acredita que o forró pode ganhar ainda mais espaço fora do Brasil? Quais são os maiores desafios?  
Eu acredito que o forró tem, sim, potencial pra ganhar mais espaço fora do Brasil. Mas, pra ser bem honesto, não me vejo como alguém com autoridade pra dizer isso com certeza. Sou só um americano dos etados unidos que teve a sorte de organizar algumas festas, apresentar o forró pra alguns amigos e ajudar a criar conexões entre as pessoas. Qualquer papel de “embaixador cultural” que eu possa ter é uma honra, e, no fim das contas, quem mais ganha com tudo isso sou eu, porque recebo muito mais do que consigo oferecer.

 Há algum artista brasileiro que te inspira diretamente ou que você costuma ouvir nas suas criações?  
Pra mim, é praticamente impossível escolher um único artista brasileiro que me inspira. Seria como estar naquela situação das mães brigando pelo bebê na história de Salomão kkkkk eu jamais gostaria de estar nessa posição. Cada artista traz algo essencial que contribui pro todo, e juntos são o que realmente me move e me inspira.

Como você vê seu papel como um “embaixador cultural” do Brasil nos Estados Unidos — mesmo sendo americano?  
 Como eu já disse antes, qualquer papel que eu possa ter como embaixador cultural do Brasil aqui nos Estados Unidos é, na verdade, uma honra. Eu me sinto muito sortudo por poder compartilhar essa música e essa cultura, mesmo que de um jeito pequeno. No fim das contas, quem mais ganha sou eu: que não nasci dentro, mas que respeito e valorizo profundamente.
 
Que mensagem você deixaria para os pernambucanos que veem sua cultura sendo celebrada tão longe de casa?
Ao povo de Pernambuco, tudo o que posso dizer é um grande obrigadão!!! Sou imensamente grato pelo acolhimento e generosidade que sempre recebi, e me sinto abençoado por poder, de alguma forma, ajudar a celebrar essa cultura tão especial. Espero voltar, aprender mais e continuar compartilhando tudo o que torna esse lugar tão único. Seria muito bonito criar, no futuro, algum tipo de conexão mais profunda, quem sabe um intercâmbio cultural em que eu possa compartilhar a música do meu mundo, que é o arranjo para grandes conjuntos de jazz norte-americano, e ao mesmo tempo aprender a tocar, escrever, arranjar e viver a música do Nordeste muito mais do que consigo hoje. Sei la. Continuo aprendendo pra honrar essa cultura da melhor forma possível.