Ortinho
Por Angelo Brás Fernandes Callou
Ontem foi uma noite de surpresas. E foi noite de aprendizados.
Com um convite na mão, cheguei ao Teatro do Parque para assistir ao show Ortinho Repensista, do cantor e compositor Ortinho, com a participação especial da extraordinária Maria Alcina.
Eu jamais ouvira falar de Ortinho, atuante desde os anos 1990 na cena musical pernambucana, hoje radicado em São Paulo.
Ortinho faz parte de uma geração de músicos que teve como fonte principal Lula Côrtes, Marcos Polo, Alceu Valença, Robertinho do Recife e das bandas Ave Sangria e Querosene Jacaré.
Nos anos 1970 e 80, gostava de ouvir Lula Côrtes (ainda o escuto de vez em quando no Spotify) e, claro, Alceu Valença. O extraordinário Robertinho do Recife só o vi tocar uma única vez, no show Gal Tropical (Teatro dos Quatro, no Rio de Janeiro, em 1979), no dueto de sua guitarra com a voz de Gal Costa em "Meu nome é Gal". Imorredouro.
À medida que Ortinho vai cantando suas composições e de outros autores, com sua voz poderosa, diria que tão nossa, pelo sotaque e ritmos que misturam rock e estilos musicais nordestinos - dos repentistas, por exemplo -, vou refazendo meu próprio caminho de volta à minha formação cultural na juventude.
Vejo-me nos bares de Olinda, no Bartepapo, Fruta Pão, Ecológico e Cantinho das Graças, no Recife. O som desses lugares se tornariam os futuros influenciadores musicais de Ortinho, incluindo os cearenses Fagner, Belchior, Ednardo, Amelinha, e o paraibano Zé Ramalho. De certa forma, já conhecia Ortinho. Mas só hoje fui apresentado a ele. Disse para mim mesmo.
O cenário do show é outra surpresa à parte. As imagens de pinturas projetadas me chamaram a atenção. Sou informado que são do artista plástico pernambucano Flávio Emanuel. Igualmente, um desconhecido para mim. Tão surpreso com a pintura do artista, falecido em 2021, me dei conta de que, em vários momentos do show, fiquei mais atento à projeção das telas do artista do que a Ortinho.
Entra Maria Alcina. Uma rara emoção. Com a mesma força musical de quando cantou "Fio Maravilha", de Jorge Ben Jor, no Festival Internacional da Canção, em 1972. A ditadura praticamente cancelou a carreira da artista, por ser considerada um péssimo exemplo para a família brasileira. Não tinha essa informação. A ditadura se foi, mas os ditadores ainda estão por aí a vomitar regras sobre a arte, os artistas e a sociedade. Eles não passarão. Maria Alcina resiste!
Outra surpresa da noite. Maria Alcina canta uma música de Caetano Veloso, de que jamais também ouvira falar: "A Cor Amarela", de 2008. Sob medida para seu estilo musical.
Saio em grupo do Teatro Parque em direção ao estacionamento na Av. Manoel Borba, com as comparações inevitáveis entre o cenário musical de quando era estudante universitário e saía desse mesmo teatro com o de hoje. Fiz uma lista do lixo circulante, mas, de propósito, não vou revelar. Acredito que cada um tem a sua própria lista, já passada a limpo.
Atravesso silenciosamente a Praça Maciel Pinheiro, em sinal de respeito àquelas pessoas literalmente abandonadas nas ruas do Recife pelo poder público. Olho para o casarão onde viveu Clarice Lispector, ainda em ruínas, e a vejo chorando da sacada diante dos desvalidos famintos.
Agradeço ao jornalista Edgard Homem pelo convite para o show Ortinho Repensista.
Praia do Pina, Recife, 16 de novembro de 2025.