sábado, 12 de maio de 2018

Documento da CIA afirma que Geisel soube e autorizou execução de opositores

Um memorando enviado pelo então chefe da CIA (Agência Central de Inteligência) para o secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, indica que o general Ernesto Geisel, que presidiu o Brasil entre 1974 e 1979, tomou conhecimento e autorizou a execução de presos políticos.

Datado de 11 de abril de 1974 e redigido em Washington, um memorando escrito por William Colby, diretor central de inteligência entre 1973 e 1976, liga pela primeira vez Geisel, o presidente que iniciou a abertura política, ao comando da morte de opositores pelo regime militar.

O documento foi encontrado pelo pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Matias Spektor.

O memorando narra uma reunião entre Geisel, recém-empossado na Presidência, e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, do Centro de Inteligência do Exército (CIE), e o general João Baptista Figueiredo, do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), ocorrida no dia 30 de março de 1974.

De acordo com o relato de Colby, o general Milton falou sobre as atividades do CIE no combate a "alvos subversivos" durante a Presidência de Emílio Garrastazu Medici (1969-1974).

Ainda de acordo com o documento, Milton enfatizou que o Brasil não podia ignorar a "ameaça terrorista" e que "métodos extra-judiciais" [ilegais] deveriam continuar sendo utilizados contra "subversivos perigosos."

Em seguida, diz o memorando, o general que chefiou o CIE disse que 104 pessoas foram "sumariamente executadas" pelo órgão de inteligência do Exército. Figueiredo, que chefiava o SNI e viria a suceder Geisel na Presidência, apoiou a continuidade da política de extermínio delineada por Milton.

Pelo relato do chefe da CIA, o presidente Geisel respondeu falando da gravidade e de potenciais riscos de permitir aquela "política" e disse que queria ponderar sobre o tema.

No dia seguinte à reunião, em 1o de abril de 1974, Geisel disse a Figueiredo que a eliminação de opositores poderia prosseguir dentro de alguns critérios: 1.) os alvos seriam apenas "subversivos [considerados] perigosos"; 2) no caso de presos pelo CIE que se enquadrassem nesta categoria, Figueiredo deveria ser consultado e aprovar cada execução antes de acontecer.

O documento joga luz em um momento-chave da ditadura brasileira. Sucessor de Medici, Geisel foi o responsável por iniciar o desmonte do AI-5, extinguindo a censura e direcionando o país para a abertura "ampla, gradual e segura", que ganharia corpo com a anistia de 1979 e que levaria ao fim do regime em 1985.

Prestígio - O ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse hoje (11) que o governo não tem “conhecimento oficial” do memorando da CIA (serviço de inteligência dos Estados Unidos) que revela que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) autorizou o Centro de Inteligência do Exército (CIE) a continuar a política de execuções sumárias contra opositores da ditadura militar no Brasil adotadas durante o governo de Emílio Garrastazu Médici.

“Para se ter um pronunciamento oficial a respeito desse assunto, nós não podemos ficar apenas, não estamos aqui a desconsiderar nem desfazer de nenhuma notícia ou reportagem, mas é preciso ter acesso oficial de governo a governo para se poder fazer um comentário que se possa e que se deva fazer no caso de as informações serem, de fato, confirmadas”, disse o ministro, após o lançamento da Operação Tiradentes II – força-tarefa de 24 horas de todas as forças militares estaduais para ações de segurança pública.

Jungmann ressaltou que o prestígio das Forças Armadas permanece “nos mesmos níveis em que se encontram até aqui”. “Por uma razão muito simples: as Forças Armadas brasileiras são um ativo democrático que o país hoje tem. E isso, evidentemente, que não é tocado por uma reportagem. Chamo a atenção: não temos acesso a documentos oficiais e isso só poderá acontecer, ou seja, um pronunciamento oficial, quando tivermos acesso direto a esses documentos”, acrescentou.

Sobre um possível pedido ao governo norte-americano dos documentos, Jungmann disse que esta não é uma decisão da sua pasta. “Não é minha área, não é decisão minha, mas eu acho que alguma deve ser tomada. Vocês estão me cobrando algo que não é da minha área, então não tenho como responder. Não vou invadir uma outra área. Eu fui ministro da Defesa, não sou mais. Hoje estou na área de segurança. Quem deve tomar essa decisão são aqueles que são responsáveis por essa área. Não me cabe, portanto, invadir a competência de outro ministro e muito menos uma decisão governamental”, disse a jornalistas.

Interesses - O secretário Nacional de Segurança Pública, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, também afirmou que a divulgação do documento da CIA não afeta o prestígio das Forças Armadas nem a intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro. Ele vê motivações políticas na divulgação do memorando.

“Eu acredito que não arranhe em nada o prestígio das Forças Armadas, até mesmo porque tem que ler com bastante profundidade este tipo de documento e não ficar só na manchete. Esse ano é um ano eleitoral. É uma eleição que vem com pesquisas. Foram publicadas várias notícias de um número maior de militares participando nessa próxima eleição. Tem que ver os interesses políticos nesse tipo de divulgação”, disse.

Filho de Herzog - O engenheiro Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, divulgou hoje (11) carta que enviou ao ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, sobre o memorando da CIA (serviço de inteligência dos Estados Unidos) que revela novos fatos envolvendo o Estado na morte de seus opositores durante a ditadura militar, sob a presidência do general Ernesto Geisel (1974-1979).

Na carta, Ivo Herzog pede que o governo brasileiro solicite ao governo norte-americano a liberação completa dos registros feitos pela CIA. “A família Herzog vem a Vossa Senhoria solicitar manifestação do Ministério das Relações Exteriores solicitando ao governo norte-americano a liberação completa dos registros realizados pela Agência Central de Inteligência (CIA) que documentam a participação de agentes do Estado brasileiro em operações para torturarem ou assassinarem cidadãos brasileiros”, diz o texto.

Diretor do telejornal Hora da Notícia, veiculado pela TV Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog foi morto em outubro de 1975 sob tortura pelos militares após ser detido nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/CODI). Ele deixou a esposa Clarice e os dois filhos, Ivo e André, na época com 9 e 7 anos, respectivamente.

Na época, a morte foi divulgada pelo Exército como suicídio com a utilização de uma foto forjada. Em 2013, como parte dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a família conseguiu a retificação do atestado de óbito no qual consta que a morte do jornalista se deu em função de “lesões e maus tratos sofridos durante os interrogatórios em dependência do 2º Exército (DOI-CODI)”.

Ivo Herzog finaliza a carta lembrando que Aloysio Nunes, assim como a família Herzog, sabe o que foi “o terror e a violência” promovidos pela ditadura brasileira. “Uma nação precisa conhecer sua história oficialmente para ter políticas públicas que previnam que os erros do passado se repitam”, conclui.

Irmã de guerrilheiro - A terapeuta ocupacional Eliana de Castro diz que a família sempre soube quem mandou matar o estudante de farmácia Antônio Teodoro de Castro em 1974, aos 29 anos: o general Ernesto Geisel, então presidente do Brasil.

"Sempre soube que tinha sido o [Ernesto] Geisel. No Brasil ninguém fazia as coisas por conta própria, o país tinha um comando."

Preso político, o jovem cearense foi dado como desaparecido político em 1974 – mesmo com a suspeita de que ele, na verdade, tivesse sido torturado e morto com um tiro no peito na Guerrilha do Araguaia. O termo descreve o controvertido combate entre militantes do PCdoB e oficiais do Exército nas selvas do Pará, no auge da ditadura.

Para a família de Teó – apelido carinhoso dado a Antônio Teodoro –, a divulgação do dossiê "é apenas uma comprovação do que já se sabia", e uma "forma palpável" de, quem sabe, motivar outras providências judiciais sobre o caso.

"A ordem [para execução] sempre vinha de cima. Primeiro, prendiam para torturar e saber de coisas e, depois de um tempo, eliminavam", afirma Eliana. Passados 44 anos do desaparecimento de Teó, a família descreve a persistência de um "sentimento de muita tristeza". A irmã mais nova do estudante diz querer ver "a justiça sendo feita".

Antônio Teodoro de Castro foi capturado aos 29 anos, enquanto lutava na guerrilha do Araguaia. Até 2009, o nome do estudante constava na lista de desaparecidos políticos.

Como o corpo nunca foi encontrado, a verdadeira identidade de Teó não foi inserida nos registros da Comissão Nacional da Verdade (CNV). O relatório final do colegiado aponta 89 mortos e desaparecidos entre 1º de abril de 1974 – a data da reunião descrita no memorando da CIA – e o fim da ditadura.

"Minha mãe tinha uma grande ilusão de que meu irmão tivesse fugido para as Guianas. Quando ele sumiu, disse que faria curso na Bélgica, não sabíamos que estava no Araguaia", lembra Eliana. "Até hoje nossa família é torturada todos os dias, por não ter os restos mortais dele".

A versão do desaparecimento de Teó só ganhou outro rumo em 2009 porque o oficial aposentado do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, veio a público afirmar que foi um dos algozes do estudante cearense.

Em entrevista à revista "Veja", o major contou que presenciou o interrogatório do estudante, conhecido na guerrilha como "Raul". "Ele tinha fome, vestia farrapos e estava amarelo, parecia ter malária. Nem precisamos bater para que ele falasse e dissesse tudo que sabia", afirmou o militar. Apesar do depoimento, Curió nunca disse de quem veio a ordem para assassinar o estudante com um tiro no peito.


Com informações do Buzfeed Brasil, Portal G1, GGN e Agência Brasil